quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Mulheres que correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés.


Por meio da interpretação de diversos mitos e histórias, este livro quase que nos impõe uma busca pela nossa essência, bem como, uma compreensão da natureza da vida-morte-vida em todas as nossas fases. Propõe o reencontro e a valorização da intuição que aos poucos foi perdida nos nossos cantos internos e precisa ser novamente ativada. Também descreve a necessidade da busca da mulher selvagem, que se encontra no rio abaixo do rio, na floresta e que vai nos alimentar, libertar e fortalecer para as experiências e vivências no mundo material. 

As histórias contadas e interpretadas por Clarissa, como mencionado no Podcast “Talvez Seja Isso” (o qual recomendo fortemente ouvir em paralelo com a leitura do livro), “nos ensinam lições brutais, mas muito verdadeiras, sobre o processo de se tornar quem a gente é: existe maldade no mundo (e também dentro de nós); se alguém te oferece um caminho mais fácil, ele não necessariamente te leva pra onde você quer ir; somos responsáveis por nossas más escolhas. Esta é uma conversa sobre o que acontece com uma mulher que não luta pela própria liberdade. Ela se deixa domesticar, se esforça para ser bem comportada e acaba perdendo seus instintos. Nos mostra que qualquer tentativa de domesticar a natureza selvagem é perigosa. Quando a gente fica enjaulada por muito tempo, perde a capacidade de farejar aquilo que queremos “de verdade” e corremos o risco real de cair em armadilhas que ameaçam a nossa autonomia, nossa sanidade e, principalmente, nossa capacidade de saber o que é melhor para nós.”

Este livro nos ajuda a compreender muitas coisas, mas também não quer dizer que devemos nos limitar ao que está escrito nele. Apesar de propor um caminho, deve-se ter em mente que este caminho é ainda mais longo, partindo de uma compreensão de si, da necessária busca do autoconhecimento, para uma compreensão sistêmica da sociedade patriarcal e de valorização das lutas sociais do feminismo.

Link para o podcast "Talvez seja Isso": https://open.spotify.com/show/5qXDd2PdCgVOj8UrQYMly1 

#dicadelivro

terça-feira, 17 de maio de 2016

Não é só por uma árvore, é pela cidade. Precisamos de uma ação anulatória urgente!


Nesses tempos em que precisamos defender o óbvio, relutei muito em escrever sobre a figueira que luta, com a ajuda de muitas pessoas, para manter-se viva na Rua Heinrich Hosang, em Blumenau. Mas é necessário. É urgente.

O Ministério Público firmou termo de ajustamento de conduta (TAC) com a construtora Torresani, com o Condomínio Porto Real e o Município de Blumenau, a fim de garantir a metragem mínima de passeio público para os pedestres passarem na frente do Condomínio. E a solução para a regularização, pasmem, foi determinar a morte da árvore que está ali há mais de 40 anos. Não foi cogitada a adequação da construção, possivelmente porque a construtora não quer arcar com os custos disso. E pouco importou aos envolvidos que a Construtora tivesse ignorado completamente em seus projetos a figueira ali existente. 


Foto: Portal Cidade Plural – www.cidadeplural.com.br

Mas o que a Promotoria, a Construtora, o Síndico do prédio e a Prefeitura não contavam era com as pessoas, os coletivos e as entidades que estão resistindo a essa solução vexatória. Um grupo foi ao Ministério Público e à Prefeitura para tentar reverter a ordem de corte, que restou, com o perdão do trocadilho, infrutífera. Sabemos que a ABC Pró Ciclovias fez pedido por escrito de reconsideração ao Ministério Público, nos autos do Inquérito Civil. Mas já sabemos também que não podemos contar apenas com a ‘sensibilidade’ da Promotora Monika Pabst.

Por isso, entendo importante e urgente que as entidades de Blumenau que lutam por causas ambientais e urbanísticas, busquem anular esse TAC judicialmente. É possível sim, ajuizar ação de anulação do termo de ajustamento de conduta contra todos os que firmaram o TAC, inclusive o Ministério Público e o Estado de SC - como pessoa jurídica atrelada ao MP - pedindo também uma tutela de urgência (medida liminar), a fim de impedir o corte da árvore até a decisão final da ação anulatória.

Um TAC não pode servir de alvará para agredir outros interesses coletivos/difusos. As árvores não podem mais ficar marcadas para morrer em tempos de escassez de área verde, como é o caso da região central de Blumenau, que sofre com temperaturas de mais de 40 graus no verão e com o excesso de gás carbônico. Existem alternativas de regularização, como ampliação do passeio, deslocamento de equipamentos do prédio, etc.  E quem construiu e lucrou, que arque com isso. Precisamos romper paradigmas, caso contrário, não sobrará uma única árvore de grande porte na região central da cidade.

Não é só pela árvore da rua Heinrich Hosang que escrevo. É pelo que esta árvore simboliza. Por essas pessoas que estiveram e ainda estão alertas ao seu lado, lutando para que a cidade não se defina somente por concreto e ferro, calor e gás carbônico. É por uma Blumenau mais humana, mais agradável, com mais árvores, parques, passeios regulares, com transporte público de qualidade e ciclovias interligadas. 

É para defender o óbvio. (Que tempos, Brecht! Que tempos!)








Foto: Michel Imme


Artigo publicado no Cidade Plural (Blumenau) e Portal Desacato (Florianópolis).

Saibam mais no clipping feito pela ACAPRENA:
Sobrevida para a Figueira da Heinrich Hosang
O corte previsto para quarta, 10/05/2016, foi impedido por manifestantes que cercaram e subiram na árvore. Prefeitura, Torresani e condomínio aguardam reunião com promotora Dr. Mônika Pabst, responsável pela suspensão temporária do corte da figueira. Confirma as reportagens e o TAC na íntegra:
Prefeitura tem desde 2015 projeto que amplia a calçada e salva a figueira do corte, afirma Carlos Tonet: 
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=992537510794136&set=a.202712146443347.44332.100001136905239&type=3&theater
Figueira do Victor Konder: comunidade faz vigilância
Figueira do Victor Konder e as lições para Blumenau
Manifestantes impedem corte de árvore no Victor Konder em Blumenau
Arquitetura protagoniza suspensão do corte da figueira
Manifestantes conseguem que promotora suspenda  temporariamente o corte da figueira
Pancho: Decisão de cortar árvore está mantida, só não se sabe quando será feito
Figueira do Victor Konder: não é pela árvore, é pela cidadania
A culpa é minha
Confira o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta:

Saibam mais sobre a possibilidade de ação anulatória:
A invalidação do Termo de Ajustamento de Conduta, por Marcos Pereira Anjo Coutinho, Promotor de Justiça de MG, Pós-graduado em Controle da Administração Pública - Universidade Gama Filho/RJ. Pós-graduado em Tutela dos Interesses Difusos,
Coletivos e Individuais Homogêneos - Unama/AM:

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O muro do impeachment

Sobre o muro instalado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a palavra e sentimento de “vergonha” resume tudo pra mim. Este muro não foi construído com placas de metal. Ali está todo ódio e raiva, insana e irracional, toda dicotomia rasa e superficial do bem contra o mal. Este muro diz muito mais sobre nós, povo brasileiro, do que sobre aqueles que habitam o Congresso e o Alvorada. Suas bases estão tão firmes, que sua desconstrução poderá levar décadas. E aqueles que nos assistem, de qualquer outro país que já passou por algo assim ou pior, pensam e dizem ‘como que ainda não aprenderam’?

Como que ainda não aprendemos???

Crédito da foto: Dida Sampaio



quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Qual crítica é importante no decreto de saque do FGTS - desastre de Mariana/MG?


Muitas pessoas estão compartilhando nas redes sociais a discussão sobre o decreto que a Presidente Dilma editou a respeito do saque de FGTS nesse momento do desastre em Mariana, entendendo equivocadamente que estar-se-ia isentando a Vale/BHP/Samarco de responsabilidades ao colocar no decreto a expressão “desastres naturais”.

A lei 8.036/90, que dispõe sobre o FGTS, determina que o mesmo pode ser sacado em caso de “necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento” (art. 20, XVI). O decreto 5.113/ 2004, por sua vez, regulamentou o saque de FGTS em decorrência de desastres naturais, mas não constava o tipo “rompimento de barragens”, o que impossibilitaria o saque pelos afetados em Mariana; assim, esta inclusão pelo decreto 8.572/2015 serviu para possibilitar o saque pelas vítimas de rompimento de barragens.

Isso não quer dizer, de forma alguma, que o rompimento daquelas barragens vai ser considerado desastre ‘natural’, para fins de responsabilização das empresas por negligência. Não é possível um decreto excluir responsabilidades civis ou por crimes previstos em lei.

A crítica que considero relevante é o fato do FGTS ser utilizado nessas situações de desastres causados por terceiros (não naturais, portanto). No caso, as vítimas utilizarão seus recursos pessoais de FGTS para compensar perdas causadas pela Mineradora Vale/BHP/Samarco, quando o correto seria determinar uma multa administrativa maior à Mineradora, para ser repassada imediatamente aos atingidos, a fim de compensar suas perdas mais urgentes. O FGTS dos atingidos não deveria ser utilizado para isso (desastres não naturais), pois além de manifestamente ilegal, é injusto repartir com as vítimas os custos desta tragédia.


Foto: globo.com

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Operação Zelotes e a Juíza Célia Bernardes


Conheço a Célia desde a faculdade e a considero uma grande amiga; quem a conhece sabe de sua integridade como pessoa e juíza. Além de carinho e amizade, tenho uma imensa admiração por seus posicionamentos políticos e de esquerda nas questões mais relevantes (favorável à desmilitarização da polícia, contra o projeto de lei antiterrorismo – criminalização de ativistas, protestos e movimentos sociais, contra o projeto de lei que criminaliza o aborto, entre outros), por sua atuação no Judiciário, como decisões envolvendo a proteção às terras indígenas no Mato Grosso, só para citar um exemplo; e na sua atuação junto à Associação de Juízes para a Democracia (AJD).

Célia possui posicionamentos muito mais à esquerda do que aqueles que se autointitulam de esquerda. É uma libertária por essência. Suas ideias/ideologias nunca caminharam juntas com a direta desse País (como o PSDB, por exemplo), e por isso percebo claramente que ela agiu com imparcialidade, como tem ser a postura de um juiz. 

Quem nada tem de integridade e imparcialidade, como quase sempre, é a imprensa, que lançou holofotes somente sobre o filho do Lula na Operação Zelotes, uma gotícula num oceano do que está sendo investigado pela Polícia Federal e decidido pela Juíza, muito mais grave em relação a tantos outros empresários e empresas, como montadoras de veículos (Ford, Mitsubishi), bancos (Santander e Safra), grupo RBS, siderúrgica Gerdau, etc. A força-tarefa que montou a Operação Zelotes descobriu a existência de empresas de consultoria para vender serviços de redução ou desaparecimento de débitos fiscais no Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Se o filho do Lula for inocente, ele não poderia estar em mãos melhores. Mas se for culpado que Justiça seja feita, assim como para todos os corruptos do País.

A cegueira é tanta, que entendem que a Juíza pode ser julgada por ser irmã de um prefeito do PSDB, mas o filho do Lula não pode ser investigado por ser filho do Lula. Como se irmãos fossem necessariamente iguais ou parecidos em atitudes e posicionamentos, o que, diga-se de passagem, acaba ocorrendo justamente o contrário.

A injustiça, no caso, está claramente nesta insinuação de imparcialidade daqueles que querem partidarizar tudo, independentemente se existem ou não lastros de corrupção, tanto do lado do PSDB, como do PT; nesse fla-flu cego e insuportável que virou a discussão política no País.

O que posso desejar à Célia é força para suportar estas acusações infundadas e levianas. Mantenha-se firme nas convicções. Quem te conhece, está contigo! 



"O livro de Célia Bernardes é, no Brasil, a obra  que analisa  com  maior  detalhe  e  com  mais profundidade  o  fenômeno político do racismo de Estado. (...) Assim como a pesquisadora analisa o lado terrível do neorracismo, ela não se esquece das lutas políticas que continuam a ser travadas pelas modificações de tudo o que existe de pesado e opressor no mundo presente. Segundo Célia Bernardes, não temos que ficar paralisados na crítica do mundo no qual vivemos. Existem lutas de resistências, com novos fundamentos e motivações. Como a autora afirma (p. 152), trata-se de uma nova perspectiva, mais otimista, mais serena, em que a modernidade é o espaço em que no qual floresce a liberdade de ser livre, em que os sujeitos se autoconstituem e no  qual podem surgir novos saberes não imperiais, conhecimentos oferecidos a quem queira, livremente, utilizá-los para o exercício de certas práticas libertadoras de si." (Guilherme Castelo Branco, professor do Laboratório de Filosofia Contemporânea da UFRJ).

terça-feira, 7 de julho de 2015

Quando o Corpo liberta a Alma


"O propósito do teatro é fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra, o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música seja também ouvido.” (Clarice Lispector)

Peça Navalha na Carne - Víscera Companhia de Teatro

Gritos, sussurros e o som de pessoas se chocando e passos apressados. Parecia que uma luta se precipitava em algum lugar próximo. Curiosa, entrei naquele corredor estreito e comprido. Com seu teto rebaixado, vozes e movimentos intensificavam-se a cada passo que eu dava. De repente, um grito! Aproximei-me da sala, mas a porta estava fechada. Hesitei, mas a curiosidade foi mais forte e vagarosamente abri a porta. Um grupo de pessoas, suadas, com pés descalços e em frenética agitação. Concentrados, entre expressões de alegria e dor, entregavam-se aos jogos teatrais, buscando dentro de si as emoções e expressões necessárias. O que vi não eram somente corpos, mas também almas em múltiplos movimentos. Seus olhares, suas expressões, prenderam-me. Ao fim do exercício, todos exibiam uma expressão entre a calma e a alegria, e trocavam olhares entre si, daqueles de quem compartilha um segredo.

O teatro foi uma das primeiras atividades culturais da então Colônia Blumenau. Organizado por Roese Gartner, o grupo teatral Frohsinn foi alento e diversão para os colonos-espectadores que deixaram a urbanizada Alemanha e se embrenharam nas matas do Vale do Itajaí. O espectador, naquela uma hora ou mais que está atento e vivendo a peça de teatro, encontra um tempo para dedicar-se a si mesmo, aos seus mais íntimos pensamentos, suas dúvidas sobre a vida, sonhos e angústias. Tempo que atualmente só encontramos no teatro, na leitura e em alguns shows musicais, sendo impossível fazer isso em frente à TV ou mesmo no Cinema; da mesma forma a maioria dos shows musicais que mais nos conduzem para um torpor do pensamento, um esquecimento de si. Pensar a vida é necessário e a Arte pode nos proporcionar esse encontro com a vida e com aquilo que fizemos de nós mesmos.

Se os espectadores encontram dentro de si essa chama de humanidade, imagino quais sejam as labaredas interiores escondidas atrás dos sorrisos cúmplices dos atores. Pude compreender que a Arte pode ser o caminho que tanto procuramos, não apenas como espectadores, mas atuantes, como artistas que se embrenham em seu interior e na história da humanidade em busca daquilo que nos faz humanos. Foi no sorriso cúmplice daqueles aprendizes de atores que comecei a procurar o meu caminho, a minha Arte. Encontrei a literatura e ao final de cada capítulo concluído, após viver as peripécias imaginárias junto com o investigador Otto Schurkemann, também exibo um sorriso cúmplice de quem descobriu um prazeroso segredo.

Em Blumenau temos ótimos grupos teatrais com apresentações constantes, como na Temporada Blumenauense de Teatro, no Festival de Teatro, o curso de teatro na FURB e as turmas da Escola Carona de Teatro, espaços-sonhos para espectadores e aqueles que desejam e precisam romper sua rotina anestesiante, locais em que é possível encontrar em uma hora por semana sorrisos cúmplices, caminhos e novos sonhos.

Artigo publicado na Revista Tie Break, edição 113.
http://www.mundieditora.com.br/h/i/104493760-tiebreak-113

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Até amanhã, Boos!


Meu querido, arrisco a dizer que sei o que você deseja neste seu momento tão delicado. Talvez não seja o que muitos esperam e queiram. Porém, não se trata de nós. É de você, da sua luta, sua vida, tão linda, admirada por tantos!

Tu me fez chorar guri, como criança pequena, na penúltima vez que te vi. Como agora, escrevendo pra ti. Mas tu me mostraste nesses poucos anos de convivência, outros olhares, tantas outras vivências, coisas tão simples, tão óbvias, mas que estavam tão longe de mim. Uma noite estrelada, no alto de um morro, sem luz de faróis de carros, postes ou de bikes. A luz da lua no chão. O silêncio e o cheiro do verde, da terra, sem fumaças ou gases. O barulho das folhas na terra e no alto das árvores, sem vozes e motores, sem asfalto. Os rios percebidos e sentidos à noite, só pelo movimento da correnteza chegando nas pedras, sem nenhuma luz. Colher tangerina das árvores de beira da estrada, mortos da fome depois de quase 70 kilômetros de pedal. Nossas conversas sérias e ao mesmo tempo divertidas sobre nossas vidas, relacionamentos; enquanto os outros já haviam pedalado a terceira ribanceira, e eu e você, empurrando nossas bicicletas, ofegantes, falantes e confidentes. Eu por ser ainda iniciante, você, por ser experiente, mas já nitidamente cansado.

Querido, estou aqui pra te dizer de peito aberto, que desejo exatamente o que você deseja nesse momento pra ti. Seja livre, como você sempre foi e quis ser.

Por isso, termino te dizendo que me lembro da última pergunta que te fiz, para então terminar esta carta:

- Quando é que você vai voltar a pedalar comigo?
- Amanhã! – disse você, convicto.

Até amanhã então, Boos. Até amanhã!