quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Qual crítica é importante no decreto de saque do FGTS - desastre de Mariana/MG?


Muitas pessoas estão compartilhando nas redes sociais a discussão sobre o decreto que a Presidente Dilma editou a respeito do saque de FGTS nesse momento do desastre em Mariana, entendendo equivocadamente que estar-se-ia isentando a Vale/BHP/Samarco de responsabilidades ao colocar no decreto a expressão “desastres naturais”.

A lei 8.036/90, que dispõe sobre o FGTS, determina que o mesmo pode ser sacado em caso de “necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento” (art. 20, XVI). O decreto 5.113/ 2004, por sua vez, regulamentou o saque de FGTS em decorrência de desastres naturais, mas não constava o tipo “rompimento de barragens”, o que impossibilitaria o saque pelos afetados em Mariana; assim, esta inclusão pelo decreto 8.572/2015 serviu para possibilitar o saque pelas vítimas de rompimento de barragens.

Isso não quer dizer, de forma alguma, que o rompimento daquelas barragens vai ser considerado desastre ‘natural’, para fins de responsabilização das empresas por negligência. Não é possível um decreto excluir responsabilidades civis ou por crimes previstos em lei.

A crítica que considero relevante é o fato do FGTS ser utilizado nessas situações de desastres causados por terceiros (não naturais, portanto). No caso, as vítimas utilizarão seus recursos pessoais de FGTS para compensar perdas causadas pela Mineradora Vale/BHP/Samarco, quando o correto seria determinar uma multa administrativa maior à Mineradora, para ser repassada imediatamente aos atingidos, a fim de compensar suas perdas mais urgentes. O FGTS dos atingidos não deveria ser utilizado para isso (desastres não naturais), pois além de manifestamente ilegal, é injusto repartir com as vítimas os custos desta tragédia.


Foto: globo.com

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Operação Zelotes e a Juíza Célia Bernardes


Conheço a Célia desde a faculdade e a considero uma grande amiga; quem a conhece sabe de sua integridade como pessoa e juíza. Além de carinho e amizade, tenho uma imensa admiração por seus posicionamentos políticos e de esquerda nas questões mais relevantes (favorável à desmilitarização da polícia, contra o projeto de lei antiterrorismo – criminalização de ativistas, protestos e movimentos sociais, contra o projeto de lei que criminaliza o aborto, entre outros), por sua atuação no Judiciário, como decisões envolvendo a proteção às terras indígenas no Mato Grosso, só para citar um exemplo; e na sua atuação junto à Associação de Juízes para a Democracia (AJD).

Célia possui posicionamentos muito mais à esquerda do que aqueles que se autointitulam de esquerda. É uma libertária por essência. Suas ideias/ideologias nunca caminharam juntas com a direta desse País (como o PSDB, por exemplo), e por isso percebo claramente que ela agiu com imparcialidade, como tem ser a postura de um juiz. 

Quem nada tem de integridade e imparcialidade, como quase sempre, é a imprensa, que lançou holofotes somente sobre o filho do Lula na Operação Zelotes, uma gotícula num oceano do que está sendo investigado pela Polícia Federal e decidido pela Juíza, muito mais grave em relação a tantos outros empresários e empresas, como montadoras de veículos (Ford, Mitsubishi), bancos (Santander e Safra), grupo RBS, siderúrgica Gerdau, etc. A força-tarefa que montou a Operação Zelotes descobriu a existência de empresas de consultoria para vender serviços de redução ou desaparecimento de débitos fiscais no Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Se o filho do Lula for inocente, ele não poderia estar em mãos melhores. Mas se for culpado que Justiça seja feita, assim como para todos os corruptos do País.

A cegueira é tanta, que entendem que a Juíza pode ser julgada por ser irmã de um prefeito do PSDB, mas o filho do Lula não pode ser investigado por ser filho do Lula. Como se irmãos fossem necessariamente iguais ou parecidos em atitudes e posicionamentos, o que, diga-se de passagem, acaba ocorrendo justamente o contrário.

A injustiça, no caso, está claramente nesta insinuação de imparcialidade daqueles que querem partidarizar tudo, independentemente se existem ou não lastros de corrupção, tanto do lado do PSDB, como do PT; nesse fla-flu cego e insuportável que virou a discussão política no País.

O que posso desejar à Célia é força para suportar estas acusações infundadas e levianas. Mantenha-se firme nas convicções. Quem te conhece, está contigo! 



"O livro de Célia Bernardes é, no Brasil, a obra  que analisa  com  maior  detalhe  e  com  mais profundidade  o  fenômeno político do racismo de Estado. (...) Assim como a pesquisadora analisa o lado terrível do neorracismo, ela não se esquece das lutas políticas que continuam a ser travadas pelas modificações de tudo o que existe de pesado e opressor no mundo presente. Segundo Célia Bernardes, não temos que ficar paralisados na crítica do mundo no qual vivemos. Existem lutas de resistências, com novos fundamentos e motivações. Como a autora afirma (p. 152), trata-se de uma nova perspectiva, mais otimista, mais serena, em que a modernidade é o espaço em que no qual floresce a liberdade de ser livre, em que os sujeitos se autoconstituem e no  qual podem surgir novos saberes não imperiais, conhecimentos oferecidos a quem queira, livremente, utilizá-los para o exercício de certas práticas libertadoras de si." (Guilherme Castelo Branco, professor do Laboratório de Filosofia Contemporânea da UFRJ).

terça-feira, 7 de julho de 2015

Quando o Corpo liberta a Alma


"O propósito do teatro é fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra, o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música seja também ouvido.” (Clarice Lispector)

Peça Navalha na Carne - Víscera Companhia de Teatro

Gritos, sussurros e o som de pessoas se chocando e passos apressados. Parecia que uma luta se precipitava em algum lugar próximo. Curiosa, entrei naquele corredor estreito e comprido. Com seu teto rebaixado, vozes e movimentos intensificavam-se a cada passo que eu dava. De repente, um grito! Aproximei-me da sala, mas a porta estava fechada. Hesitei, mas a curiosidade foi mais forte e vagarosamente abri a porta. Um grupo de pessoas, suadas, com pés descalços e em frenética agitação. Concentrados, entre expressões de alegria e dor, entregavam-se aos jogos teatrais, buscando dentro de si as emoções e expressões necessárias. O que vi não eram somente corpos, mas também almas em múltiplos movimentos. Seus olhares, suas expressões, prenderam-me. Ao fim do exercício, todos exibiam uma expressão entre a calma e a alegria, e trocavam olhares entre si, daqueles de quem compartilha um segredo.

O teatro foi uma das primeiras atividades culturais da então Colônia Blumenau. Organizado por Roese Gartner, o grupo teatral Frohsinn foi alento e diversão para os colonos-espectadores que deixaram a urbanizada Alemanha e se embrenharam nas matas do Vale do Itajaí. O espectador, naquela uma hora ou mais que está atento e vivendo a peça de teatro, encontra um tempo para dedicar-se a si mesmo, aos seus mais íntimos pensamentos, suas dúvidas sobre a vida, sonhos e angústias. Tempo que atualmente só encontramos no teatro, na leitura e em alguns shows musicais, sendo impossível fazer isso em frente à TV ou mesmo no Cinema; da mesma forma a maioria dos shows musicais que mais nos conduzem para um torpor do pensamento, um esquecimento de si. Pensar a vida é necessário e a Arte pode nos proporcionar esse encontro com a vida e com aquilo que fizemos de nós mesmos.

Se os espectadores encontram dentro de si essa chama de humanidade, imagino quais sejam as labaredas interiores escondidas atrás dos sorrisos cúmplices dos atores. Pude compreender que a Arte pode ser o caminho que tanto procuramos, não apenas como espectadores, mas atuantes, como artistas que se embrenham em seu interior e na história da humanidade em busca daquilo que nos faz humanos. Foi no sorriso cúmplice daqueles aprendizes de atores que comecei a procurar o meu caminho, a minha Arte. Encontrei a literatura e ao final de cada capítulo concluído, após viver as peripécias imaginárias junto com o investigador Otto Schurkemann, também exibo um sorriso cúmplice de quem descobriu um prazeroso segredo.

Em Blumenau temos ótimos grupos teatrais com apresentações constantes, como na Temporada Blumenauense de Teatro, no Festival de Teatro, o curso de teatro na FURB e as turmas da Escola Carona de Teatro, espaços-sonhos para espectadores e aqueles que desejam e precisam romper sua rotina anestesiante, locais em que é possível encontrar em uma hora por semana sorrisos cúmplices, caminhos e novos sonhos.

Artigo publicado na Revista Tie Break, edição 113.
http://www.mundieditora.com.br/h/i/104493760-tiebreak-113