Por Sally Satler, membro do conselho
deliberativo da ABC Pró Ciclovias.
e-mail: sally.satler@gmail.com
‘Um
desejo de cidade’ é o sentimento compartilhado por todos os ciclistas, não
somos apenas um grupo a reivindicar ciclovias e respeito dos motoristas, somos
pessoas lutando por uma cidade como espaço de experiências. Desde a invenção do
automóvel e do fordismo, artistas e filósofos[1]
denunciam que o almejado progresso da modernidade tem nos usurpado o prazer de
experimentar o mundo. Condenados a viver entre gestos repetitivos, entre
paredes de uma fábrica ou escritório, dentro de insípidos shoppings ou ao lento
ir e vir entre o frio metal e o vidro de um carro, não conseguimos mais perceber
que existe um mundo a ser vivido em plenitude. Desejamos
experimentar a cidade, experimentar o campo, sentir o sol e a chuva, o calor e
o frio sobre uma bike que, como veículo, para além de sustentável e de mobilidade
inteligente, proporciona-nos liberdade.
E
é por esta razão que foi concebido o Fórum Mundial da Bicicleta. A primeira
edição, em 2012, foi pensada e realizada um ano após o atropelamento proposital
de um coletivo de ciclistas durante uma bicicletada/massa crítica[2] em Porto Alegre. Entre
os dias 13 e 16 de fevereiro de 2014 foi Curitiba quem ganhou na diversidade de
ciclistas e no colorido das bicicletas ao sediar a terceira edição, que até
então só tinha acontecido na capital gaúcha. Não tivemos nenhum representante
da nossa Prefeitura, em que pese ter sido convidada em dois momentos pela ABC
Pró Ciclovias, mas muitos ciclistas de Blumenau estiveram no III FMB,
misturando-se entre as tribos de várias cidades do país e do mundo.
Foto: Magali Moser |
O
evento realmente surpreendeu: a programação era totalmente gratuita, eis que
foi financiado colaborativamente, via Catarse[3]. O
conceito desta edição, “A cidade em equilíbrio”, teve o propósito de repensar e
discutir o planejamento das cidades, trazendo idéias voltadas diretamente ao
ser humano e espaços de convivência, entre exposições, palestras, oficinas,
pedaladas e lançamento de livros. De Blumenau, foi apresentada a proposta de
documentário ‘Vida em Trânsito’, de autoria de Diego Dambrowski, que expõe o
paradoxo da ‘carrocultura’ num país ‘engarrafado’, propondo a retomada da
bicicleta na mobilidade urbana. Também elegemos o catarinense André Geraldo
Soares para a presidência da União dos Ciclistas do Brasil (UCB), entidade
máxima do cicloativismo no país.
A
tônica da maioria das atividades do Fórum foi a troca de experiências entre
cidades do Brasil e de outros países. Na palestra organizada pelo movimento
‘Voto Livre’, de Curitiba, foi exposta a plataforma digital para apresentar
projeto de lei eletrônico de iniciativa popular de mobilidade urbana
sustentável, que ficará disponível e livre para outras cidades. Na feira do
evento, estavam disponibilizados gratuitamente materiais sobre cicloativismo e
ideias de projetos para implantação de ciclovias e também de bicicletas
compartilhadas. Na Bicicletaria Cultural[4] foi
realizada a oficina ‘Cartografia Poética das Trajetórias’, em que os
participantes foram instigados a desenhar o seu principal trajeto no trânsito,
para depois apresentar micro-narrativas das sensações, chamando a atenção para
a importância de tornar o trajeto um espaço de experiências e vivências, algo
extirpado na vida moderna. Muitas outras atividades (painel de economia criativa,
painel de saúde, filmes sobre bicicleta) aconteciam simultaneamente e a opção
por uma delas era intuitiva.
Mas
todo o evento estava alinhado a um discurso: a busca de uma cidade para as
pessoas. E pra isso, a bicicleta não pode ser vista somente como meio de
transporte ou de lazer. Ela é instrumento de transformação da mobilidade
urbana, verdadeiramente sustentável. É disso que precisamos nos convencer!
Oficina “Cartografia Poética das Trajetórias”
Foto: Carlos Roberto Pereira
|
[1] Como Chaplin, em ‘Tempos Modernos’, e Fritz Lang, em
‘Metrópolis’.
[2] Massa
crítica ou Bicicletada (termo usado no Brasil) é um evento que ocorre em mais
de 300 cidades ao redor do mundo, geralmente na última sexta-feira do mês,
inclusive em Blumenau.
Ela acontece quando dezenas, centenas ou milhares de
ciclistas se reúnem para reivindicar seu espaço nas ruas, lutar por um trânsito
mais humano e por um mundo mais respirável.
[3] Site que
viabiliza o financiamento coletivo de projetos, também conhecido como crowdfunding. Consiste na busca de
capital para iniciativas de interesse coletivo, normalmente financiado por
pessoas físicas. Saiba mais: www.catarse.me.
[4] Espaço
permanente de apoio e serviços aos ciclistas, como: estacionamento e aluguel de
bikes, oficina mecânica colaborativa e até sesta em redes após o almoço. Saiba
mais: http://bicicletariacultural.wordpress.com/
Artigo publicado no Jornal Expressão Universitária, do SINSEPES/FURB.
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