A fotografia pode nos encantar e mesmo fazer nos
perder pelo labirinto de recordações e saudades, mas não tem o mesmo efeito de
um cheiro, uma fragrância acolhedora que, repentinamente, nos leva para outro
tempo ou lugar enigmático de memória. Que cheiros têm a sua memória?
Ah, aquele cheiro de infância, terra molhada,
misturada ao verde cheiro das árvores! Nesta ex-cidade jardim, pouco desse
cheiro ainda resiste, escondido por sob o asfalto e o gás carbônico dos
automóveis. Raramente chega aos nossos sentidos e olfatos, mas quando aparece, próximo
a essas resistentes ilhas urbanas de grama e árvores, dificilmente deixamos de
sorrir ou nos enternecer.
Reprodução |
Alguém ainda se lembra do cheiro de café
torrado? Quando sinto, volto à infância e às férias escolares no apartamento de
uma tia, em Jaraguá do Sul, pois era próximo do único supermercado da cidade na
época, o Breithaupt, que abrigava
sacas de café e o torrava todas as manhãs.
Em Blumenau, impossível não lembrar o cheiro de
enchente, mesmo quando o rio dorme. Cheiro úmido de lodo que nos assombra e só
quem viu sua casa, fotografias e história desaparecer nessa massa lamacenta sabe,
sente e entende. Tristes capítulos, movidos à inapetência e omissão que ainda
persiste, tal como a indústria política da seca no nordeste.
O cheiro de protetor solar lembra praia, mesmo
não estando lá. De madeira me faz lembrar uma viagem à Canela, no Rio Grande do
Sul; e o chocolate, quente ou frio, lembra-me Gramado e também de Interlaken,
na Suíça. Os cheiros de café expresso, flores e perfumes, misturados, agora me fazem
lembrar Paris. Assim como o inconfundível cheiro dos metrôs e dos quadros
suntuosos dos seus museus. Berlim, linda que só, tem cheiro forte de história
por quase todos os lados, como o gigante mercado de pulgas de Mauerpark, com suas empoeiradas moedas,
roupas, malas, louças, antigas fotografias, máscaras de oxigênio e muitos
outros objetos que nos levam ao tempo da guerra fria e à antiga Alemanha
Oriental.
Café de Flore, em Paris. (Foto: Sally Satler) |
Mercado de pulgas em Mauerpark, Berlim (Foto: Carla F. Silva) |
E o cheiro da morte, como é pra você? Pra mim,
vem daquelas coroas de flores, que muitos elogiam e eu detesto: mostram quem
pode pagar pelo cheiro e o choro da morte. Mas também me lembra uma essência de
lavanda presente no quarto do meu pai, que tanto lutou, mas foi abatido pelo
câncer.
Esses cheiros, rastros de memórias alegres ou tristes...
Quando menos esperamos nos invadem, e na mesma velocidade vão embora! Mas não
sem deixar saudades... ou algumas reflexões.
Meu, Sally Satler, teu artigo aguçou minha memória e me senti aspirando nesta hora da noite na esperança de sentir meus amores da infãncia e da adolescência... e todos os cheiros lá de casa... E me veio o cheiro do pão assado no forno à lenha, da rosca de polvilho assada na folha de bananeira... e da rapadura nas rodadas de estória da Itália contadas pelas minhas tias... E o cheiro do sabugueiro subindo no vapor da sauna improvisada que meu pai e minha mãe preparavam para prevenir o "resfriado". E veio o cheiro das fábricas da minha cidade Brusque... E veio o cheiro das minhas filhinhas... já neste tempo tão próximo. Busquei então o cheirinho que está tão perto, do meu amor... Vou pra cama, minha amiga. Obrigada por aguçar meus cheiros que estão em constante movimento. Maria Emília.
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