Meu querido, arrisco a dizer que sei o que você deseja neste seu momento tão delicado. Talvez não seja o que muitos esperam e queiram. Porém, não se trata de nós. É de você, da sua luta, sua vida, tão linda, admirada por tantos!
Tu me fez chorar guri, como
criança pequena, na penúltima vez que te vi. Como agora, escrevendo pra ti. Mas
tu me mostraste nesses poucos anos de convivência, outros olhares, tantas
outras vivências, coisas tão simples, tão óbvias, mas que estavam tão longe de
mim. Uma noite estrelada, no alto de um morro, sem luz de faróis de carros,
postes ou de bikes. A luz da lua no chão. O silêncio e o cheiro do verde, da
terra, sem fumaças ou gases. O barulho das folhas na terra e no alto das
árvores, sem vozes e motores, sem asfalto. Os rios percebidos e sentidos à
noite, só pelo movimento da correnteza chegando nas pedras, sem nenhuma luz. Colher
tangerina das árvores de beira da estrada, mortos da fome depois de quase 70 kilômetros
de pedal. Nossas conversas sérias e ao mesmo tempo divertidas sobre nossas
vidas, relacionamentos; enquanto os outros já haviam pedalado a terceira
ribanceira, e eu e você, empurrando nossas bicicletas, ofegantes, falantes e
confidentes. Eu por ser ainda iniciante, você, por ser experiente, mas já nitidamente
cansado.
Querido, estou aqui pra te dizer
de peito aberto, que desejo exatamente o que você deseja nesse momento pra ti.
Seja livre, como você sempre foi e quis ser.
Por isso, termino te dizendo que
me lembro da última pergunta que te fiz, para então terminar esta carta:
Estão em plena campanha, não se
acanham e nem disfarçam. Afora algumas vozes dissonantes, assistimos o passar dos
tratores sobre nossas paisagens, horizontes e no que resta de áreas verdes em Blumenau. A ferro e
fogo – temos o Frohsinn como testemunho –, eles avançam, protegidos por
questionáveis alterações no plano diretor.
Uma das novidades agora é tentar extinguir
parte de uma zona recreacional urbana para transformar em zona comercial, tudo
para atender a interesses privados e especulativos de alguns poucos, construtores
que querem construir em áreas destinadas à preservação de mata e prática de
atividades esportivas. Esta é uma das mais de 30 matérias que estão para ser
aprovadas numa audiência pública marcada para o dia 30/09, na Câmara de
Vereadores. Sim, caro leitor e leitora, estão loteando e vendendo nossa cidade
e a população não está ciente.
Afinal, para quê espaços verdes e
de lazer? Os prédios estão aí brotando até em beira de rios, para cegar suficientemente
nossos olhares e tornar nossa vida ainda mais quente neste vale, que de “europeu”
só tem o nome que vendem em campanhas de marketing rasas e de gosto duvidoso.
Em Blumenau, um dos "Arranca-céu",
por Charles Steuck
Bastam-nos as pequenas praças, vergonhosamente intituladas de parques, bem no
meio do trânsito caótico e barulhento. Com nossas ruas cada vez mais lotadas de
carros, precisamos mesmo é abrir mais vias, rodovias e pistas, para serem
invadidas por mais motorizados, afinal, são emplacados
em média 1.200 novos veículos por mês na cidade, que já é campeã do estado
neste quesito.
Blumenau tem o hábito de exaltar
as suas ‘grandezas’ confrontando-as com as mazelas de outras cidades, destaca a
poluição paulistana e seu trânsito infernal, a violência carioca, e mal se dá
conta que vem se transformando naquilo que mais critica. Os prédios a nos
cobrir o céu e se esgueirar em nossas áreas verdes são uma prova disso. São
Paulo está tentando voltar atrás e se construir como cidade mais humana,
seguindo o exemplo de cidades europeias e de Nova York. Por que Blumenau não
começa desde já? Por que Blumenau não aprende com o erro de outras cidades e se
faz realmente melhor? Sem marketing, apenas multipliquem as áreas verdes, façam ciclovias, torne-se de fato a cidade jardim e deixem o nosso céu livre de tantos
prédios arranca-céu!
Artigo publicado no Portal Desacato (Florianópolis), no Blumenews, Portal Controversas e Jornal de Santa Catarina.
O livro “O Caso dos Ossos” (Ed. Liquidificador, 2014)
trata sobre um investigador que está aposentado alguns anos da polícia civil,
que resolve revelar um dos ‘casos especiais’ que teve que investigar e acobertar
na cidade de Blumenau. A missão do investigador não
era só descobrir quem praticou o crime, mas, sobretudo, encobrir o crime, a fim
de manter incólume aqueles que comandam a cidade, direta ou indiretamente. É
por meio do seu mea culpa que o leitor pode vir a realizar uma reflexão
sobre as relações de poder que podem permear a cidade. Neste romance, a
cidade é o personagem principal, por vezes dúbia e
temperamental, permitindo que a narrativa não se atenha somente aos
passos da investigação e à resolução do crime, como numa simples história
detetivesca de crimes e mistérios. Esta construção possibilita ao leitor dar
vida ao cenário e aos personagens, bem como reconhecer-se na cidade.
Mesmo
descrito pelas autoras como um romance (anti)policial, dado o enredo e a
construção da personagem do investigador, é bem verdade que a sua escrita se
apropria da linguagem policial consagrada por escritores como Edgar Allan Poe,
Conan Doyle, Agatha Christie, Georges Simenon, bem como os brasileiros Rubem
Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza, entre outros.
O
crime contado nesse livro comunga com o insólito, eis que descortina o roubo
dos ossos do fundador da cidade, trazendo também à tona, de maneira sutil e por
vezes sarcástica, alguns fatos que contribuíram para o processo de construção
de um mito fundador e herói da cidade.
O livro foi contemplado com o Prêmio
Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura, edição 2013.
Crítica
"Uma bem humorada e inteligente
crítica à Blumenau e suas tradições (...) Há que se ler esse “Caso dos Ossos”.
Talvez se possa, depois, entender um pouco mais esta cidade de Blumenau."
Urda Alice Kluger (leia a crítica na íntegra)
“Sally Satler e Carla Fernanda da Silva
conseguiram ter êxito na difícil tarefa de escrever um romance a
quatro mãos. Entre as idas e vindas do investigador pelas ruas, lugares e
neuroses blumenauenses, as autoras ainda conseguiram inserir temas cruciais à
nossa região, como, por exemplo, as questões da mobilidade urbana, da exaltação
local ao nacionalismo alemão e dos conflitos e políticas culturais do município.
Nesta leitura, tão importante quanto
descobrir os culpados de crimes há muito esquecidos é, também (e, talvez,
principalmente), olhar com outros olhos a cidade a que estamos acostumados e
que, ilusoriamente, acreditamos tão bem conhecer.
Depois deste primeiro romance, a
vontade que surge é a de que Sally Satler e Carla Fernanda da Silva ajudem
Schurkemann a subir novamente ao sótão de sua casa para que ele nos presenteie
com a narração de outros dos seus “casos especiais””.
Sally Satler: é advogada e procuradora municipal. Descobriu na
escrita uma forma de expor criticamente suas percepções sobre a cidade, a
cultura, a arte, trazendo olhares de outros lugares e mundos. Escreve para
portais e jornais de Florianópolis, Blumenau e região, bem como no seu blog: www.sallysatler.blogspot.com.
Adora viajar, escrever, pedalar. É apaixonada pelas bicicletas.
Carla Fernanda da Silva: é historiadora e professora. Autora de Grafias da Luz: a narrativa visual sobre a
cidade na revista Blumenau em Cadernos (Edifurb, 2009), organizou o livro Clio no Cio: escritos livres sobre o corpo
(Casa Aberta, 2010), coorganizou o livro Corpos
Plurais: Experiências Possíveis (Liquidificador, 2012) e a exposição
fotográfica Escritos da Carne,
contemplada pelo prêmio Elisabete Anderle (2010). Também coproduziu o
documentário Cultura Negra: identidade e
diferença em Blumenau. (2009). Adora ler, escrever, e é aficionada por
fotografia.
Todos os blumenauenses sabem que
este incêndio no Frohsinn não foi acidente. Câmeras de segurança foram
furtadas, antes das duas outras tentativas de incêndio. Não houve acaso, mas um
planejamento cuidadoso. Ironicamente, froshinn
significa alegria em alemão, e assim sinto que sistematicamente tem se destruído
a alegria desta cidade, que está se tornando um local bem difícil para se viver.
Afinal, quem são essas pessoas
que continuamente passam por cima da vontade da maioria da população? Quando
vamos dar um basta nos desmandos deste grupelho?
Há um projeto para o local –
agora apenas mirante do Froshinn – que beneficia toda a população, pois
pretende mantê-lo público, com livre acesso para todos; projeto este que a
Administração do município ignora sumariamente, ‘cegos’ e sedentos em
concretizar a venda daquele terreno. Tanto é, que quando artistas tentaram levar vida àquele local, foram expulsos, com violência, cacetetes e spray de pimenta.
Foto: Grupo Por Gentileza, em Blumenau (Facebook)
Estamos mesmo sem passaporte. Sem
rumo e roteiro. A cidade, em nome da especulação imobiliária se desintegra, e o
poder público, conivente, permite matar a cidade, sua história e qualquer
chance de garantir qualidade de vida para seus cidadãos, tudo em nome do lucro
de alguns poucos.
A melhor resposta para o título
deste breve texto, veio da historiadora Carla Fernanda da Silva: “Têm muitos, mas
muitos blumenauenses com o fósforo aceso nas mãos. Administração municipal, os conselheiros
que votaram a favor da venda, apoiadores e os indiferentes”.
Foto: Jaime Batista da Silva
E você? Também está com o fósforo
aceso nas mãos?
Se não, então
contribua com a cidade, imprima e assine a petição pública abaixo[1],
organizada pelo Grupo Movimento contra a venda do Frohsinn[2] e ajude a manter aquele local público. Ou ainda, recolha assinaturas
entre os seus conhecidos, vamos reagir a essa imposição, não permita que os
incendiários do Frohsinn sejam vitoriosos.
[1] Abaixo-assinado para impressão em papel: clique aqui. Para assinar petição pública on line: clique aqui.
[2] Saiba
mais sobre o Movimento contra a venda do Frohsinn: clique aqui
Artigo publicado no Portal Desacato (Florianópolis), Portal Blumenews e Jornal Expressão Universitária (Sinsepes/Furb).
Existem mais de mil de livrarias em Paris, mas entrar na Shakespeare and Company e subir suas estreitas escadas de acesso ao segundo piso, remete-nos a uma breve viagem à Paris literária dos anos 20 e 30, com atmosfera própria, quando os escritores da “geração perdida”, como James Joyce, Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, passaram alguns anos na cidade em busca de inspiração para aqueles que se tornariam seus mais famosos livros.
Foto: Sally Satler
Shakespeare and Company foi aberta em 1919, funcionou primeiro numa ruela da Rive Gauche e dois anos depois foi para a rue de l´Ódeon, onde permaneceu até 1940, quando fechou devido à ocupação alemã da França, na segunda guerra mundial. Idealizada pela livreira, editora e escritora Sylvia Beach[1], a livraria conseguiu se tornar um espaço para escritores que não tinham onde pernoitar, mas podiam ajudar com pequenos serviços por algumas semanas, além do compromisso de ler uma obra por dia.
Muitos aspirantes a escritor tornaram a livraria sua morada e experiência literária; Ernest Hemingway narra em ‘Paris é uma Festa’ a maravilha que eram suas visitas à livraria e a gentileza e generosidade da dona em emprestar o que ele quisesse ler, mesmo quando não tinha dinheiro para alugar ou comprar os livros. Foi também com o selo desta livraria que James Joyce conseguiu publicar Ulysses, numa época em que todas as editoras o rejeitaram.
Com o falecimento de Sylvia, em 1951, foi George Whitman que decidiu retomar o projeto: incorporou os livros da antiga livraria e rebatizou sua loja para Shakespeare and Company, na rue de la Bucherie, próximo à Notre Dame, na margem esquerda do Sena. Virou ponto de encontro de escritores como Samuel Beckett, Anais Nïn, Arthur Miller, etc. Da geração Beat, recebeu Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Atualmente, a responsável pelo espaço é Sylvia Beach Whitman, filha de George, quando ele faleceu em 2011.
Shakespeare & Co não é qualquer livraria, reúne amantes dos livros e suas histórias; andar por entre suas estantes nos faz esbarrar em outros leitores distraídos, que nos devolvem um olhar cúmplice, de quem guarda, nem tão em segredo, essa paixão pelos livros. O local transmite uma sensação de nostalgia, e, por alguns minutos, parece nos transpor aos anos 20. Entrar nesta livraria é uma experiência deliciosa: em meio às paredes cobertas de livros, amontoados também em estantes e outros suportes, permanecem as mesas com máquinas de escrever e as camas para abrigar novos escritores por algumas semanas, em troca de um pouco de trabalho no caixa ou algumas horas de faxina, além do comprometimento de ler um livro por dia[2].
Foto: Sally Satler
Foto: Sally Satler
Em todos esses anos, mais de 40 mil pessoas de todos os cantos do mundo toparam a experiência. E você, toparia? Estava me perguntando isso quando um livro caiu sobre a minha cabeça enquanto descia as escadas, olhei para cima e vi apenas uma fileira de livros bem dispostos sobre uma prateleira. Seria algum dos antigos escritores me convidando a dividir sua experiência?
Ah, esse mundo literário!
Foto: Sally Satler
[1] Sobre Sylvia Beach, indicamos a sua autobiografia: “Shakespeare and Company” (Casa da Palavra, 2004).
[2] “Um livro por dia” é o título do livro de Jeremy Mercer (Casa da Palavra, 2007), jornalista que escreveu sobre suas experiências ao morar na livraria, repetindo a vivência de tantos outros escritores que passaram por ali.
Esta crônica foi publicada no Portal Desacato (Florianópolis), Blumenews (Blumenau) e no blog Literário.
A fotografia pode nos encantar e mesmo fazer nos
perder pelo labirinto de recordações e saudades, mas não tem o mesmo efeito de
um cheiro, uma fragrância acolhedora que, repentinamente, nos leva para outro
tempo ou lugar enigmático de memória. Que cheiros têm a sua memória?
Ah, aquele cheiro de infância, terra molhada,
misturada ao verde cheiro das árvores! Nesta ex-cidade jardim, pouco desse
cheiro ainda resiste, escondido por sob o asfalto e o gás carbônico dos
automóveis. Raramente chega aos nossos sentidos e olfatos, mas quando aparece, próximo
a essas resistentes ilhas urbanas de grama e árvores, dificilmente deixamos de
sorrir ou nos enternecer.
Reprodução
Alguém ainda se lembra do cheiro de café
torrado? Quando sinto, volto à infância e às férias escolares no apartamento de
uma tia, em Jaraguá do Sul, pois era próximo do único supermercado da cidade na
época, o Breithaupt, que abrigava
sacas de café e o torrava todas as manhãs.
Em Blumenau, impossível não lembrar o cheiro de
enchente, mesmo quando o rio dorme. Cheiro úmido de lodo que nos assombra e só
quem viu sua casa, fotografias e história desaparecer nessa massa lamacenta sabe,
sente e entende. Tristes capítulos, movidos à inapetência e omissão que ainda
persiste, tal como a indústria política da seca no nordeste.
O cheiro de protetor solar lembra praia, mesmo
não estando lá. De madeira me faz lembrar uma viagem à Canela, no Rio Grande do
Sul; e o chocolate, quente ou frio, lembra-me Gramado e também de Interlaken,
na Suíça. Os cheiros de café expresso, flores e perfumes, misturados, agora me fazem
lembrar Paris. Assim como o inconfundível cheiro dos metrôs e dos quadros
suntuosos dos seus museus. Berlim, linda que só, tem cheiro forte de história
por quase todos os lados, como o gigante mercado de pulgas de Mauerpark, com suas empoeiradas moedas,
roupas, malas, louças, antigas fotografias, máscaras de oxigênio e muitos
outros objetos que nos levam ao tempo da guerra fria e à antiga Alemanha
Oriental.
Café de Flore, em Paris. (Foto: Sally Satler)
Mercado de pulgas em Mauerpark, Berlim (Foto: Carla F. Silva)
E o cheiro da morte, como é pra você? Pra mim,
vem daquelas coroas de flores, que muitos elogiam e eu detesto: mostram quem
pode pagar pelo cheiro e o choro da morte. Mas também me lembra uma essência de
lavanda presente no quarto do meu pai, que tanto lutou, mas foi abatido pelo
câncer.
Esses cheiros, rastros de memórias alegres ou tristes...
Quando menos esperamos nos invadem, e na mesma velocidade vão embora! Mas não
sem deixar saudades... ou algumas reflexões.
1802: primeira lei inglesa que limita jornada de
trabalho, estabelecendo o limite de 12 horas para crianças em fábricas de
tecido.
1819: lei inglesa proíbe o emprego industrial de
crianças com menos de 9 anos.
1833: lei inglesa proíbe o trabalho noturno para
menores de 18 anos.
1847: lei inglesa estabelece o limite de 10 horas
para todos os trabalhadores.
1864: Primeira Internacional prioriza a luta pela
jornada de 8 horas.
1919: Convenção n. 1 da OIT estabelece o limite de 8
horas e restringe o trabalho extraordinário.
1932: lei brasileira estabelece o limite de 8 horas
diárias e 48 horas semanais.
1988: Constituição da República estabelece o limite
de 8 horas diárias e 44 horas semanais. [i]
Esse breve histórico é para dizer que as
conquistas ali descritas foram à custa de muitas lutas e greves. Os servidores
em greve na Praça da Prefeitura estão nos dando uma aula de cidadania.
Expondo-se ao julgamento público e dos tribunais, eles nos ensinam! Porque
lutar não é só comparecer a manifestos, como os de junho/2013, e percorrer as
ruas centrais de Blumenau pedindo mais educação e saúde de qualidade.
Segundo informado pelo blogueiro Jaime e
Rádio Clube de Blumenau, o Prefeito pretende demitir cerca de 100 professores
temporários grevistas, convocando novos profissionais NÃO graduados (pelo
salário oferecido, só estes restam na lista). O artigo 4º da Convenção 158 da Organização
Internacional do Trabalho, o qual foi recepcionado pelo Brasil[ii],
garante a proteção contra a demissão por participação em atividades sindicais.
Se você não é servidor, lembre-se daquela sua bandeira
e cartaz empoeirados de junho/2013 e apoie aqueles cidadãos, porque a luta pela
educação perpassa pela solidariedade também.
Caros professores e servidores de
Blumenau: todo o meu apoio é pra vocês.
Foto: Sintraseb
Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.
[i] Informações extraídas de: SILVA,
Alessandro da. Duração do trabalho: reconstrução à luz dos direitos humanos.
In: SILVA, Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; FELIPE, Kenarik Boujikian;
SEMER, Marcelo. Direitos humanos: essência do direito do trabalho. São Paulo:
AJD/LTr, 2007.
[ii] Artigo 4º: 1. Os trabalhadores
da Administração Pública devem usufruir de uma proteção adequada contra todos
os atos de discriminação que acarretem violação da liberdade sindical em
matéria de trabalho. 2. Essa proteção deve aplicar-se, particularmente, em
relação aos atos que tenham por fim: (...) b) Demitir um trabalhador da
Administração Pública ou prejudicá-lo por quaisquer outros meios, devido à sua
filiação a uma organização de trabalhadores da Administração Pública ou à sua
participação nas atividades normais dessa organização. O Decreto Federal 7.944,
de 06/03/2013 promulgou a Convenção 158 da OIT.
Foi no último dia de exposição gratuita
no salão nobre do Grand Palais, em
Paris, que conseguimos ver e apreciar as obras da coleção Guerra e Paz, de Cândido Portinari. Além dos painéis, a exposição
compreendeu os estudos e esboços do artista, além de um vídeo-documentário
sobre o processo de restauro (2010-2012), objetos pessoais e cartas.
Grand Palais (Paris)
Encomendada pelo Governo Vargas ao
pintor (1952), especialmente para ser presenteada à ONU em Nova York (1956),
esta coleção passou por dois fatos marcantes: o primeiro, movido pela opinião
pública e um grupo de intelectuais e artistas, que apelaram ao Itamaraty para
que os painéis fossem expostos no Brasil antes de ir para os EUA, a fim de que
o público brasileiro pudesse vê-los pela primeira e possivelmente última vez.
Assim, os painéis ficaram por poucos dias em 1956 à disposição do público, lotando
o Teatro Municipal do Rio de Janeiro dia e noite com estudantes, operários,
homens e mulheres.
O segundo fato foi o impedimento do
artista, pelas autoridades dos EUA, de ir à inauguração da sua própria obra na
ONU, em razão de sua ligação com o Partido Comunista do Brasil. Portinari faz a
crítica da Guerra e celebração da Paz, e a mantém aos olhos dos ‘senhores do
mundo e da guerra’, para lembrá-los que das suas decisões dependem a vida de milhões
de pessoas; ‘senhores’ cegos, que em nome de uma guerra, dita fria, fizeram
valer o seu capricho, impedindo o artista de ver sua grande obra no local a que se
destinava. Antes mesmo da inauguração, Portinari pôde sentir que a Arte
encontraria dificuldade em penetrar as mentes calculistas e gananciosas dos ‘senhores
da guerra’. A par disso, chamou a nossa atenção o fato de, mesmo assim, o
embaixador do Brasil estar na abertura e ‘representar’ o artista, limitando-se
a dizer no dia: “Com pesar não o
vejo hoje entre nós. Desejo salientar um ponto: o Brasil está oferecendo hoje
às Nações Unidas o que acredita ser o melhor que tem para dar”.
Limitados às vistas de delegados da ONU
desde 1956, em local não aberto ao público por razões de segurança, os painéis
puderam ser vistos novamente pelo público entre 2010 e 2014[i]
e agora estavam em Paris, devendo voltar ainda este ano aos EUA.
O pintor ficou 3 anos produzindo
esboços, desenhos e pinturas que depois ficariam eternizados nos dois painéis
da ONU. Alguns desses desenhos e pinturas também estavam presentes na exposição.
Mãe com seu filho morto (óleo sobre tela)
Considerada obra-síntese do pintor, os grandes
painéis de Guerra e Paz retratam o
essencial de Portinari. No painel ‘guerra’ aparece o homem morto, a mãe
chorando com a criança morta, ambas inspiradas em obras anteriores d´Os Retirantes’;
não mostra armas ou tanques e sim pessoas em situação de extrema dor causada
pela guerra. No painel ‘paz’, podemos ver também os meninos com suas
brincadeiras. Sobretudo, Portinari nos mostra o ser humano em situações de drama,
ternura e solidariedade.
Detalhe do Painel 'Guerra'
Apontado como um dos artistas mais importantes
do Brasil, Portinari enfim pôde ser visto e estudado por muitos brasileiros e
estrangeiros, pela obra que ele considerou ser a mais importante de sua vida.
A paz para Cândido Portinari é o cotidiano sem
ameaças do Estado. As mulheres em momentos de alegria, crianças com simples
brincadeiras de rua, em gangorras, cordas, balanços e danças. Crianças, sendo
crianças e não vítimas da guerra.
[i]Apresentada
em São Paulo, no Memorial da América Latina, de fevereiro a maio de 2012, foi
considerada a primeira exposição blockbuster de um artista brasileiro,
recebendo nos 90 dias em que esteve aberta ao público, cerca de 200 mil
pessoas. Eleita a Melhor Exposição de 2012 pela Associação Brasileira de
Críticos de Arte – ABCA e vencedora do Prêmio ABERJE 2012, a mostra foi também
indicada à Melhor Exposição em 2012 pelos jornais Folha de São Paulo e Estado
de São Paulo. Em 2013, a exposição seguiu para Belo Horizonte, marcando a
reinauguração do Cine Theatro Brasil Vallourec. Considerada pela Revista Veja
BH como a melhor exposição da temporada na cidade, foi visitada por mais de
80mil pessoas em 40 dias. Fonte: Jornal da Canastra.
Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Blumenews.
Quando eu estudava na FURB, era possível
chegar numa sala, normalmente aberta, para se reunir com amigos ou colegas num
dia qualquer pela manhã ou até mesmo à tarde, antes da aula noturna. Fazíamos
isso até aos sábados e domingos, especialmente nos tempos em que militava no
movimento estudantil do curso de Direito. Afora estes espaços, tínhamos opções
fora de sala, num tempo em que os carros ainda não tomavam conta de todos os
cantos da instituição.
Esta realidade mudou. Qualquer espaço ao
ar livre, entre os prédios, hoje é tomado por carros. As salas de aula, agora
com equipamentos de informática e eletrônicos, começaram a ser fechadas por
ocasião dos furtos. A burocracia aumentou, visto que entrar numa simples
sala, para realizar qualquer evento ou encontro, o aluno deve requisitar primeiramente
ao DCE para que este então solicite reserva à instituição; ou então tem que contar com
a boa vontade de um professor. O direito ao encontro vem sendo tolhido pouco a
pouco, segundo os alunos, há também a proibição dos mesmos se sentarem nos
cantos que ainda sobraram entre corredores, com a vigilância e controle dos
guardas presentes na instituição. Não raro, a dispersão
dos ‘grupelhos’ é balizada pelo olhar parcial, por vezes preconceituoso,
daquele que vigia.
Os mecanismos de controle dissolveram a
espontaneidade dos encontros e convivências, usurparam as trocas de ideias e
saberes até mesmo com colegas de outros cursos e também com a comunidade. Os alunos, roboticamente, limitam-se a entrar
na sua sala, assistir à aula e simplesmente ir embora. Do alto da passarela que
corta a Antônio da Veiga, podemos reviver cenas do filme Tempos Modernos,
impossível não comparar a entrada e saída da Universidade com a mesma dinâmica
fabril, alunos-operários numa triste massa indistinta, tolhidos em suas
originalidades e espontaneidade.
Filme 'Tempos Modernos'
Para pressionar a instituição, depois de
tantos pedidos e insistências, um grupo independente de alunos “Ocupou a FURB”:
estão provisoriamente instalados numa sala de aula (R-307), com a finalidade de
servir de espaço para o debate livre e aberto dos estudantes e para acelerar a
negociação com a Universidade até que a mesma disponha de um espaço real de
convivência.
Movimento Ocupação FURB.
Foto: Paula Angels
Mais gramados, árvores, bancos e mesas.
Menos cimento e estacionamentos. Mais coerência entre a teoria e a prática. Não
é possível teorizar tanto sobre a cidade e a sociedade, sem viver e observar
isso na própria Universidade. A Universidade deveria ser um espaço de mudança e
de novos olhares sobre a cidade e a sociedade; e não reproduzir o seu status.
Este é um dos sete quiosques (espaços de convivência) que estão
sendo construídos na UFAC (Univ. Federal do Acre).
A FURB, por meio de seus gestores,
precisa urgentemente rever o conceito de Universidade, que ainda se autorrefere
como Pública. Uma Universidade verdadeiramente pública deveria priorizar
espaços de convivência para acolher os estudantes, professores, demais
servidores e toda a comunidade, estimulando assim a troca de ideias e saberes
espontâneos. Uma Universidade com travas e fechaduras burocráticas não é uma
Universidade. É prisão, do lado de fora e de dentro.
Fontes:
Ocupação FURB - espaço real de convivência: clique aqui
UFAC constrói novos espaços de
convivência: clique aqui
Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis, Jornal Expressão Universitária - Sinsepes/Furb e no Portal Blumenews.
Um índio descerá de uma estrela
colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa
velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação
indígena
E o espírito dos pássaros das fontes
de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das
mais avançadas das tecnologias...
(Um Índio, Caetano Veloso)
Os índios que se manifestaram em
Brasília, suplicando mais uma vez por justiça, pela demarcação das poucas
terras que lhes sobraram e ainda não foram usurpadas, foram covardemente
atacados pelas fardas do nosso Estado, fardas que no passado eram inimigas e
que agora são aliadas, requisitadas na brutal repressão daqueles que tem a
coragem de reivindicar justiça. Num trágico eterno retorno da opressão, numa
triste constatação que o antigo oprimido, tornou-se opressor.
Fonte: Jornal Der Spiegel (Alemanha)
Esses índios lutam contra
a selvageria dos não-índios
e, acreditem, não sobreviverão à crueldade, maldade
e principalmente à tanta mediocridade dos que pouco sabem e se limitam à
entendê-los como selvagens.
Assistimos de braços
cruzados, policiais com sua cavalaria, jogando bombas de efeito moral, atirando com balas de borracha.
E quando um índio exerce a autodefesa, acertando com seu arco e flecha a perna
de um policial, a imprensa do nosso país usa esse
fato para tratá-los como selvagens; para então depois repetirmos como papagaios
e comentarmos a ‘selvageria dos índios’ nas redes sociais. Todos nós deveríamos
saber como bem dito numa das redes, que ‘ninguém apanha quieto, só Gandhi
aguentou isso’.
Jornal Der Spiegel (Alemanha)
Na imprensa internacional, o ataque da
polícia aos povos indígenas repercutiu sob outro ângulo: fotografias como do jornal alemão Der Spiegel, filmagens da Agência Reuters e testemunhos de jornalistas
internacionais, mostram que quem começou o ataque foram os policiais. Sim, imprensa
internacional, porque nossa imprensa vendida ao agronegócio e aos latifundiários
preferiu comentar uma flecha que acertou um policial. Uma flecha... contra
balas de borracha, gás lacrimogênio, bomba de efeito moral e cavalaria. Lembram
na escola que vocês aprenderam que em 1500 os índios nada puderam fazer contra
o invasor europeu, pois este tinha armas de fogo, cavalos e armaduras e os índios
apenas arco-e-flecha? Estou aqui me perguntando quando o Brasil esqueceu tal
fato. Não era para os jornalistas [da mídia corporativista] investigarem
detidamente os fatos antes de publicarem? Qualquer livro didático de história do
sétimo ano do fundamental ou até mesmo a Wikipédia lhes forneceria informações
bombásticas sobre o genocídio indígena que ainda ocorre no Brasil, desde a
colonização europeia.
O que os ‘donos’ do Estado e esta mídia
não perceberam é que não é mais preciso séculos de silêncio para mostrar a
verdade dos fatos. A tecnologia, em tempo real, agora nos mostra o quanto fomos
e ainda estamos coniventes com a violência perpetrada por este Estado ‘democrático’.
Deixamos destruir nossas
florestas e matas com a invasão do agronegócio e da monocultura. Deixamos nossas
cidades praticamente inabitáveis pelo barulho, poluição e invasão descomunal de
concreto. Autorizamos a venda de nossas cidades a empreendimentos privados. E com o nosso
silêncio somos cúmplices de assassinatos do nosso povo.
E os selvagens são eles?
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Se existe um excelente lugar para
observar o cotidiano europeu é uma estação de trem. Obrigatória em quase todas
as cidades, ‘gentes’ de todos os lugares do planeta, com suas diversas
fisionomias e trajes, se entrecruzam entre o burburinho incompreensível de
tantos idiomas falados. Mas, no meio disso tudo, é possível estabelecer uma
linguagem comum a todos: para além do ir e vir de milhares de pessoas, nas ‘Gare’,
‘Hauptbanhof’ ou ‘Central Station’ existem pianos públicos e livres, à espera de
alguém para tocá-los. Não raro, você está naquela apreensão, procurando o local
de embarque ou a saída da estação e, de repente, esse sentimento se dissipa na
harmonia das notas musicais, tocadas por um viajante anônimo.
Nossa primeira boa surpresa foi
em Strasbourg, olhamos para o piano e simplesmente pensamos que era do Café ao
lado: foi quando um jovem rapaz chegou e começou a tocar que notamos que o instrumento
estava ali à disposição de todos. Como em Londres, quando vi um garoto de uns
10 anos tocando com uma habilidade de dar inveja.
St. Pancras Station (Londres)
Talvez a experiência mais bela
tenha acontecido num dia bem cedo, por volta das 7h da manhã, na Gare du Nord
em Paris, a caminho de Amsterdam. A maioria dos passageiros de pé, com suas
malas ou mochilas, olhavam em silêncio, quase estáticos, para o imenso painel
de horários e destinos. Concreto, vidro, ferro e a pressa das pessoas
aumentavam o frio da manhã. Até que a melodia de Pour Elise, de Beethoven, tocada no piano por algum viajante, curou
a ansiedade e me fez lembrar uma cena do filme “Cidade dos Anjos”, com os anjos
a ouvir a música do nascer do sol. A fotografia ficou só na memória, pois o
nosso trem chegava naquele instante.
Aqui em Paris também é comum ver
músicos com seus violões, violinos, acordeões nas estações de metrô, nas
paradas ou até mesmo dentro dos vagões. Na estação Saint-Michel, saindo do
vagão e subindo as escadas rolantes, encontramos em alguns sábados o haitiano
Dikerson Eveillard. Cantor com uma voz vibrante e inconfundível, ele também
impressiona pela interação com o público. Não foi uma, mas várias vezes que,
voltando de algum lugar, escutamos sua voz e violão. Não há como não ficar ali
parada para ouvir ao menos 4 ou 5 músicas; muitos vão parando, cantando junto e
alguns até dançam, num pequeno espaço dentro daquela estação, em meio aos
passageiros, por vezes apressados, mas nunca incomodados pelo aglomero em volta
do artista. Na primeira vez, lembro-me de subir aquelas
escadas ao som de Hallelujah, numa entonação mais que contagiante, e a sensação
de não querer que aquele momento terminasse.
Dikerson Eveillard - Saint-Michel – Station Métro (Paris)
Esbarrar-se com a arte, ser
surpreendido por ela (e não somente ir ao seu encontro), é o que também nos fascina.
São de momentos assim que precisamos para alimentar o espírito. Esses músicos viajantes,
nômades e anônimos em estações de trem e metrô, também nos trazem, nem que por
um breve instante, um fôlego de humanidade.