quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Até amanhã, Boos!


Meu querido, arrisco a dizer que sei o que você deseja neste seu momento tão delicado. Talvez não seja o que muitos esperam e queiram. Porém, não se trata de nós. É de você, da sua luta, sua vida, tão linda, admirada por tantos!

Tu me fez chorar guri, como criança pequena, na penúltima vez que te vi. Como agora, escrevendo pra ti. Mas tu me mostraste nesses poucos anos de convivência, outros olhares, tantas outras vivências, coisas tão simples, tão óbvias, mas que estavam tão longe de mim. Uma noite estrelada, no alto de um morro, sem luz de faróis de carros, postes ou de bikes. A luz da lua no chão. O silêncio e o cheiro do verde, da terra, sem fumaças ou gases. O barulho das folhas na terra e no alto das árvores, sem vozes e motores, sem asfalto. Os rios percebidos e sentidos à noite, só pelo movimento da correnteza chegando nas pedras, sem nenhuma luz. Colher tangerina das árvores de beira da estrada, mortos da fome depois de quase 70 kilômetros de pedal. Nossas conversas sérias e ao mesmo tempo divertidas sobre nossas vidas, relacionamentos; enquanto os outros já haviam pedalado a terceira ribanceira, e eu e você, empurrando nossas bicicletas, ofegantes, falantes e confidentes. Eu por ser ainda iniciante, você, por ser experiente, mas já nitidamente cansado.

Querido, estou aqui pra te dizer de peito aberto, que desejo exatamente o que você deseja nesse momento pra ti. Seja livre, como você sempre foi e quis ser.

Por isso, termino te dizendo que me lembro da última pergunta que te fiz, para então terminar esta carta:

- Quando é que você vai voltar a pedalar comigo?
- Amanhã! – disse você, convicto.

Até amanhã então, Boos. Até amanhã!






quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Blumenau, onde nos roubam até o céu!



Estão em plena campanha, não se acanham e nem disfarçam. Afora algumas vozes dissonantes, assistimos o passar dos tratores sobre nossas paisagens, horizontes e no que resta de áreas verdes em Blumenau. A ferro e fogo – temos o Frohsinn como testemunho –, eles avançam, protegidos por questionáveis alterações no plano diretor.

Uma das novidades agora é tentar extinguir parte de uma zona recreacional urbana para transformar em zona comercial, tudo para atender a interesses privados e especulativos de alguns poucos, construtores que querem construir em áreas destinadas à preservação de mata e prática de atividades esportivas. Esta é uma das mais de 30 matérias que estão para ser aprovadas numa audiência pública marcada para o dia 30/09, na Câmara de Vereadores. Sim, caro leitor e leitora, estão loteando e vendendo nossa cidade e a população não está ciente.

Afinal, para quê espaços verdes e de lazer? Os prédios estão aí brotando até em beira de rios, para cegar suficientemente nossos olhares e tornar nossa vida ainda mais quente neste vale, que de “europeu” só tem o nome que vendem em campanhas de marketing rasas e de gosto duvidoso.

Em Blumenau, um dos "Arranca-céu",
por Charles Steuck

Bastam-nos as pequenas praças, vergonhosamente intituladas de parques, bem no meio do trânsito caótico e barulhento. Com nossas ruas cada vez mais lotadas de carros, precisamos mesmo é abrir mais vias, rodovias e pistas, para serem invadidas por mais motorizados, afinal, são emplacados em média 1.200 novos veículos por mês na cidade, que já é campeã do estado neste quesito.

Blumenau tem o hábito de exaltar as suas ‘grandezas’ confrontando-as com as mazelas de outras cidades, destaca a poluição paulistana e seu trânsito infernal, a violência carioca, e mal se dá conta que vem se transformando naquilo que mais critica. Os prédios a nos cobrir o céu e se esgueirar em nossas áreas verdes são uma prova disso. São Paulo está tentando voltar atrás e se construir como cidade mais humana, seguindo o exemplo de cidades europeias e de Nova York. Por que Blumenau não começa desde já? Por que Blumenau não aprende com o erro de outras cidades e se faz realmente melhor? Sem marketing, apenas multipliquem as áreas verdes, façam ciclovias, torne-se de fato a cidade jardim e deixem o nosso céu livre de tantos prédios arranca-céu!


Artigo publicado no Portal Desacato (Florianópolis), no Blumenews, Portal Controversas e Jornal de Santa Catarina.


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Em ‘O Caso dos Ossos’, roubaram o Dr. Blumenau!


O livro “O Caso dos Ossos” (Ed. Liquidificador, 2014) trata sobre um investigador que está aposentado alguns anos da polícia civil, que resolve revelar um dos ‘casos especiais’ que teve que investigar e acobertar na cidade de Blumenau. A missão do investigador não era só descobrir quem praticou o crime, mas, sobretudo, encobrir o crime, a fim de manter incólume aqueles que comandam a cidade, direta ou indiretamente. É por meio do seu mea culpa que o leitor pode vir a realizar uma reflexão sobre as relações de poder que podem permear a cidade. Neste romance, a cidade é o personagem principal, por vezes dúbia e temperamental, permitindo que a narrativa não se atenha somente aos passos da investigação e à resolução do crime, como numa simples história detetivesca de crimes e mistérios. Esta construção possibilita ao leitor dar vida ao cenário e aos personagens, bem como reconhecer-se na cidade.

Mesmo descrito pelas autoras como um romance (anti)policial, dado o enredo e a construção da personagem do investigador, é bem verdade que a sua escrita se apropria da linguagem policial consagrada por escritores como Edgar Allan Poe, Conan Doyle, Agatha Christie, Georges Simenon, bem como os brasileiros Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza, entre outros.

O crime contado nesse livro comunga com o insólito, eis que descortina o roubo dos ossos do fundador da cidade, trazendo também à tona, de maneira sutil e por vezes sarcástica, alguns fatos que contribuíram para o processo de construção de um mito fundador e herói da cidade.

O livro foi contemplado com o Prêmio Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura, edição 2013.

 Crítica

"Uma bem humorada e inteligente crítica à Blumenau e suas tradições (...) Há que se ler esse “Caso dos Ossos”. Talvez se possa, depois, entender um pouco mais esta cidade de Blumenau."
Urda Alice Kluger 
(leia a crítica na íntegra)

“Sally Satler e Carla Fernanda da Silva conseguiram ter êxito na difícil tarefa de escrever um romance a quatro mãos. Entre as idas e vindas do investigador pelas ruas, lugares e neuroses blumenauenses, as autoras ainda conseguiram inserir temas cruciais à nossa região, como, por exemplo, as questões da mobilidade urbana, da exaltação local ao nacionalismo alemão e dos conflitos e políticas culturais do município.
Nesta leitura, tão importante quanto descobrir os culpados de crimes há muito esquecidos é, também (e, talvez, principalmente), olhar com outros olhos a cidade a que estamos acostumados e que, ilusoriamente, acreditamos tão bem conhecer.
Depois deste primeiro romance, a vontade que surge é a de que Sally Satler e Carla Fernanda da Silva ajudem Schurkemann a subir novamente ao sótão de sua casa para que ele nos presenteie com a narração de outros dos seus “casos especiais””.
Gregory Haertel (leia a crítica na íntegra)


Lançamento:

Local: Feirinha Wollstein (Rua R. Mal. Floriano Peixoto, 89, Centro, Blumenau/SC)
Dia: 14/09/2014 (domingo)
Horas: a partir das 15h
Preço especial de lançamento: R$ 15,00


Sobre as autoras:

Sally Satler: é advogada e procuradora municipal. Descobriu na escrita uma forma de expor criticamente suas percepções sobre a cidade, a cultura, a arte, trazendo olhares de outros lugares e mundos. Escreve para portais e jornais de Florianópolis, Blumenau e região, bem como no seu blog: www.sallysatler.blogspot.com. Adora viajar, escrever, pedalar. É apaixonada pelas bicicletas.

Carla Fernanda da Silva: é historiadora e professora. Autora de Grafias da Luz: a narrativa visual sobre a cidade na revista Blumenau em Cadernos (Edifurb, 2009), organizou o livro Clio no Cio: escritos livres sobre o corpo (Casa Aberta, 2010), coorganizou o livro Corpos Plurais: Experiências Possíveis (Liquidificador, 2012) e a exposição fotográfica Escritos da Carne, contemplada pelo prêmio Elisabete Anderle (2010). Também coproduziu o documentário Cultura Negra: identidade e diferença em Blumenau. (2009). Adora ler, escrever, e é aficionada por fotografia.





Para saber um pouco mais sobre o livro, acesse:

Página do livro: 

Book trailer:






quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Morro do Aipim e o Frohsinn: quem está com o fósforo?


Todos os blumenauenses sabem que este incêndio no Frohsinn não foi acidente. Câmeras de segurança foram furtadas, antes das duas outras tentativas de incêndio. Não houve acaso, mas um planejamento cuidadoso. Ironicamente, froshinn significa alegria em alemão, e assim sinto que sistematicamente tem se destruído a alegria desta cidade, que está se tornando um local bem difícil para se viver.

Afinal, quem são essas pessoas que continuamente passam por cima da vontade da maioria da população? Quando vamos dar um basta nos desmandos deste grupelho?

Há um projeto para o local – agora apenas mirante do Froshinn – que beneficia toda a população, pois pretende mantê-lo público, com livre acesso para todos; projeto este que a Administração do município ignora sumariamente, ‘cegos’ e sedentos em concretizar a venda daquele terreno. Tanto é, que quando artistas tentaram levar vida àquele local, foram expulsos, com violência, cacetetes e spray de pimenta.


Foto: Grupo Por Gentileza, em Blumenau (Facebook)

Estamos mesmo sem passaporte. Sem rumo e roteiro. A cidade, em nome da especulação imobiliária se desintegra, e o poder público, conivente, permite matar a cidade, sua história e qualquer chance de garantir qualidade de vida para seus cidadãos, tudo em nome do lucro de alguns poucos.

A melhor resposta para o título deste breve texto, veio da historiadora Carla Fernanda da Silva: “Têm muitos, mas muitos blumenauenses com o fósforo aceso nas mãos. Administração municipal, os conselheiros que votaram a favor da venda, apoiadores e os indiferentes”.

 
Foto: Jaime Batista da Silva

E você? Também está com o fósforo aceso nas mãos?

Se não, então contribua com a cidade, imprima e assine a petição pública abaixo[1], organizada pelo Grupo Movimento contra a venda do Frohsinn[2] e ajude a manter aquele local público. Ou ainda, recolha assinaturas entre os seus conhecidos, vamos reagir a essa imposição, não permita que os incendiários do Frohsinn sejam vitoriosos.




[1] Abaixo-assinado para impressão em papel: clique aqui. Para assinar petição pública on line: clique aqui.
[2] Saiba mais sobre o Movimento contra a venda do Frohsinn: clique aqui


Artigo publicado no Portal Desacato (Florianópolis), Portal Blumenews e Jornal Expressão Universitária (Sinsepes/Furb).

domingo, 10 de agosto de 2014

Shakespeare and Co: uma experiência para leitores e escritores


Existem mais de mil de livrarias em Paris, mas entrar na Shakespeare and Company e subir suas estreitas escadas de acesso ao segundo piso, remete-nos a uma breve viagem à Paris literária dos anos 20 e 30, com atmosfera própria, quando os escritores da “geração perdida”, como James Joyce, Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, passaram alguns anos na cidade em busca de inspiração para aqueles que se tornariam seus mais famosos livros.


Foto: Sally Satler

Shakespeare and Company foi aberta em 1919, funcionou primeiro numa ruela da Rive Gauche e dois anos depois foi para a rue de l´Ódeon, onde permaneceu até 1940, quando fechou devido à ocupação alemã da França, na segunda guerra mundial. Idealizada pela livreira, editora e escritora Sylvia Beach[1], a livraria conseguiu se tornar um espaço para escritores que não tinham onde pernoitar, mas podiam ajudar com pequenos serviços por algumas semanas, além do compromisso de ler uma obra por dia.

Muitos aspirantes a escritor tornaram a livraria sua morada e experiência literária; Ernest Hemingway narra em ‘Paris é uma Festa’ a maravilha que eram suas visitas à livraria e a gentileza e generosidade da dona em emprestar o que ele quisesse ler, mesmo quando não tinha dinheiro para alugar ou comprar os livros. Foi também com o selo desta livraria que James Joyce conseguiu publicar Ulysses, numa época em que todas as editoras o rejeitaram.

Com o falecimento de Sylvia, em 1951, foi George Whitman que decidiu retomar o projeto: incorporou os livros da antiga livraria e rebatizou sua loja para Shakespeare and Company, na rue de la Bucherie, próximo à Notre Dame, na margem esquerda do Sena. Virou ponto de encontro de escritores como Samuel Beckett, Anais Nïn, Arthur Miller, etc. Da geração Beat, recebeu Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Atualmente, a responsável pelo espaço é Sylvia Beach Whitman, filha de George, quando ele faleceu em 2011.

Shakespeare & Co não é qualquer livraria, reúne amantes dos livros e suas histórias; andar por entre suas estantes nos faz esbarrar em outros leitores distraídos, que nos devolvem um olhar cúmplice, de quem guarda, nem tão em segredo, essa paixão pelos livros. O local transmite uma sensação de nostalgia, e, por alguns minutos, parece nos transpor aos anos 20. Entrar nesta livraria é uma experiência deliciosa: em meio às paredes cobertas de livros, amontoados também em estantes e outros suportes, permanecem as mesas com máquinas de escrever e as camas para abrigar novos escritores por algumas semanas, em troca de um pouco de trabalho no caixa ou algumas horas de faxina, além do comprometimento de ler um livro por dia[2].


Foto: Sally Satler



Foto: Sally Satler

Em todos esses anos, mais de 40 mil pessoas de todos os cantos do mundo toparam a experiência. E você, toparia? Estava me perguntando isso quando um livro caiu sobre a minha cabeça enquanto descia as escadas, olhei para cima e vi apenas uma fileira de livros bem dispostos sobre uma prateleira. Seria algum dos antigos escritores me convidando a dividir sua experiência? 

Ah, esse mundo literário!


Foto: Sally Satler


[1] Sobre Sylvia Beach, indicamos a sua autobiografia: “Shakespeare and Company” (Casa da Palavra, 2004).
[2] “Um livro por dia” é o título do livro de Jeremy Mercer (Casa da Palavra, 2007), jornalista que escreveu sobre suas experiências ao morar na livraria, repetindo a vivência de tantos outros escritores que passaram por ali.

Esta crônica foi publicada no Portal Desacato (Florianópolis), Blumenews (Blumenau) e no blog Literário.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Que cheiros têm a sua memória?


A fotografia pode nos encantar e mesmo fazer nos perder pelo labirinto de recordações e saudades, mas não tem o mesmo efeito de um cheiro, uma fragrância acolhedora que, repentinamente, nos leva para outro tempo ou lugar enigmático de memória. Que cheiros têm a sua memória?

Ah, aquele cheiro de infância, terra molhada, misturada ao verde cheiro das árvores! Nesta ex-cidade jardim, pouco desse cheiro ainda resiste, escondido por sob o asfalto e o gás carbônico dos automóveis. Raramente chega aos nossos sentidos e olfatos, mas quando aparece, próximo a essas resistentes ilhas urbanas de grama e árvores, dificilmente deixamos de sorrir ou nos enternecer.


Reprodução

Alguém ainda se lembra do cheiro de café torrado? Quando sinto, volto à infância e às férias escolares no apartamento de uma tia, em Jaraguá do Sul, pois era próximo do único supermercado da cidade na época, o Breithaupt, que abrigava sacas de café e o torrava todas as manhãs.

Em Blumenau, impossível não lembrar o cheiro de enchente, mesmo quando o rio dorme. Cheiro úmido de lodo que nos assombra e só quem viu sua casa, fotografias e história desaparecer nessa massa lamacenta sabe, sente e entende. Tristes capítulos, movidos à inapetência e omissão que ainda persiste, tal como a indústria política da seca no nordeste.

O cheiro de protetor solar lembra praia, mesmo não estando lá. De madeira me faz lembrar uma viagem à Canela, no Rio Grande do Sul; e o chocolate, quente ou frio, lembra-me Gramado e também de Interlaken, na Suíça. Os cheiros de café expresso, flores e perfumes, misturados, agora me fazem lembrar Paris. Assim como o inconfundível cheiro dos metrôs e dos quadros suntuosos dos seus museus. Berlim, linda que só, tem cheiro forte de história por quase todos os lados, como o gigante mercado de pulgas de Mauerpark, com suas empoeiradas moedas, roupas, malas, louças, antigas fotografias, máscaras de oxigênio e muitos outros objetos que nos levam ao tempo da guerra fria e à antiga Alemanha Oriental.


Café de Flore, em Paris. (Foto: Sally Satler)

Mercado de pulgas em Mauerpark, Berlim (Foto: Carla F. Silva)

E o cheiro da morte, como é pra você? Pra mim, vem daquelas coroas de flores, que muitos elogiam e eu detesto: mostram quem pode pagar pelo cheiro e o choro da morte. Mas também me lembra uma essência de lavanda presente no quarto do meu pai, que tanto lutou, mas foi abatido pelo câncer.

Esses cheiros, rastros de memórias alegres ou tristes... Quando menos esperamos nos invadem, e na mesma velocidade vão embora! Mas não sem deixar saudades... ou algumas reflexões.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Greve em Blumenau: uma aula de cidadania


1802: primeira lei inglesa que limita jornada de trabalho, estabelecendo o limite de 12 horas para crianças em fábricas de tecido.
1819: lei inglesa proíbe o emprego industrial de crianças com menos de 9 anos.
1833: lei inglesa proíbe o trabalho noturno para menores de 18 anos.
1847: lei inglesa estabelece o limite de 10 horas para todos os trabalhadores.
1864: Primeira Internacional prioriza a luta pela jornada de 8 horas.
1919: Convenção n. 1 da OIT estabelece o limite de 8 horas e restringe o trabalho extraordinário.
1932: lei brasileira estabelece o limite de 8 horas diárias e 48 horas semanais.
1988: Constituição da República estabelece o limite de 8 horas diárias e 44 horas semanais. [i]

Esse breve histórico é para dizer que as conquistas ali descritas foram à custa de muitas lutas e greves. Os servidores em greve na Praça da Prefeitura estão nos dando uma aula de cidadania. Expondo-se ao julgamento público e dos tribunais, eles nos ensinam! Porque lutar não é só comparecer a manifestos, como os de junho/2013, e percorrer as ruas centrais de Blumenau pedindo mais educação e saúde de qualidade.

Segundo informado pelo blogueiro Jaime e Rádio Clube de Blumenau, o Prefeito pretende demitir cerca de 100 professores temporários grevistas, convocando novos profissionais NÃO graduados (pelo salário oferecido, só estes restam na lista). O artigo 4º da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, o qual foi recepcionado pelo Brasil[ii], garante a proteção contra a demissão por participação em atividades sindicais.

Se você não é servidor, lembre-se daquela sua bandeira e cartaz empoeirados de junho/2013 e apoie aqueles cidadãos, porque a luta pela educação perpassa pela solidariedade também.

Caros professores e servidores de Blumenau: todo o meu apoio é pra vocês.


Foto: Sintraseb

Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.



[i] Informações extraídas de: SILVA, Alessandro da. Duração do trabalho: reconstrução à luz dos direitos humanos. In: SILVA, Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; FELIPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo. Direitos humanos: essência do direito do trabalho. São Paulo: AJD/LTr, 2007.
[ii] Artigo 4º: 1. Os trabalhadores da Administração Pública devem usufruir de uma proteção adequada contra todos os atos de discriminação que acarretem violação da liberdade sindical em matéria de trabalho. 2. Essa proteção deve aplicar-se, particularmente, em relação aos atos que tenham por fim: (...) b) Demitir um trabalhador da Administração Pública ou prejudicá-lo por quaisquer outros meios, devido à sua filiação a uma organização de trabalhadores da Administração Pública ou à sua participação nas atividades normais dessa organização. O Decreto Federal 7.944, de 06/03/2013 promulgou a Convenção 158 da OIT.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Guerra e Paz, de Portinari

Guerra e Paz representam
sem dúvida  o melhor trabalho que já fiz.
 Dedico-os à humanidade.
(Portinari, 1957)

Foi no último dia de exposição gratuita no salão nobre do Grand Palais, em Paris, que conseguimos ver e apreciar as obras da coleção Guerra e Paz, de Cândido Portinari. Além dos painéis, a exposição compreendeu os estudos e esboços do artista, além de um vídeo-documentário sobre o processo de restauro (2010-2012), objetos pessoais e cartas.

Grand Palais (Paris)

Encomendada pelo Governo Vargas ao pintor (1952), especialmente para ser presenteada à ONU em Nova York (1956), esta coleção passou por dois fatos marcantes: o primeiro, movido pela opinião pública e um grupo de intelectuais e artistas, que apelaram ao Itamaraty para que os painéis fossem expostos no Brasil antes de ir para os EUA, a fim de que o público brasileiro pudesse vê-los pela primeira e possivelmente última vez. Assim, os painéis ficaram por poucos dias em 1956 à disposição do público, lotando o Teatro Municipal do Rio de Janeiro dia e noite com estudantes, operários, homens e mulheres.

O segundo fato foi o impedimento do artista, pelas autoridades dos EUA, de ir à inauguração da sua própria obra na ONU, em razão de sua ligação com o Partido Comunista do Brasil. Portinari faz a crítica da Guerra e celebração da Paz, e a mantém aos olhos dos ‘senhores do mundo e da guerra’, para lembrá-los que das suas decisões dependem a vida de milhões de pessoas; ‘senhores’ cegos, que em nome de uma guerra, dita fria, fizeram valer o seu capricho, impedindo o artista de ver sua grande obra no local a que se destinava. Antes mesmo da inauguração, Portinari pôde sentir que a Arte encontraria dificuldade em penetrar as mentes calculistas e gananciosas dos ‘senhores da guerra’. A par disso, chamou a nossa atenção o fato de, mesmo assim, o embaixador do Brasil estar na abertura e ‘representar’ o artista, limitando-se a dizer no dia: “Com pesar não o vejo hoje entre nós. Desejo salientar um ponto: o Brasil está oferecendo hoje às Nações Unidas o que acredita ser o melhor que tem para dar”.

Limitados às vistas de delegados da ONU desde 1956, em local não aberto ao público por razões de segurança, os painéis puderam ser vistos novamente pelo público entre 2010 e 2014[i] e agora estavam em Paris, devendo voltar ainda este ano aos EUA.

O pintor ficou 3 anos produzindo esboços, desenhos e pinturas que depois ficariam eternizados nos dois painéis da ONU. Alguns desses desenhos e pinturas também estavam presentes na exposição.


Mãe com seu filho morto (óleo sobre tela)

Considerada obra-síntese do pintor, os grandes painéis de Guerra e Paz retratam o essencial de Portinari. No painel ‘guerra’ aparece o homem morto, a mãe chorando com a criança morta, ambas inspiradas em obras anteriores d´Os Retirantes’; não mostra armas ou tanques e sim pessoas em situação de extrema dor causada pela guerra. No painel ‘paz’, podemos ver também os meninos com suas brincadeiras. Sobretudo, Portinari nos mostra o ser humano em situações de drama, ternura e solidariedade.


Detalhe do Painel 'Guerra'

Apontado como um dos artistas mais importantes do Brasil, Portinari enfim pôde ser visto e estudado por muitos brasileiros e estrangeiros, pela obra que ele considerou ser a mais importante de sua vida.

A paz para Cândido Portinari é o cotidiano sem ameaças do Estado. As mulheres em momentos de alegria, crianças com simples brincadeiras de rua, em gangorras, cordas, balanços e danças. Crianças, sendo crianças e não vítimas da guerra.


Crianças brincando (desenho-esboço) 

Fontes:
Projeto Guerra e Paz: http://www.guerraepaz.org.br/
Projeto Portinari: http://www.portinari.org.br/



[i] Apresentada em São Paulo, no Memorial da América Latina, de fevereiro a maio de 2012, foi considerada a primeira exposição blockbuster de um artista brasileiro, recebendo nos 90 dias em que esteve aberta ao público, cerca de 200 mil pessoas. Eleita a Melhor Exposição de 2012 pela Associação Brasileira de Críticos de Arte – ABCA e vencedora do Prêmio ABERJE 2012, a mostra foi também indicada à Melhor Exposição em 2012 pelos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. Em 2013, a exposição seguiu para Belo Horizonte, marcando a reinauguração do Cine Theatro Brasil Vallourec. Considerada pela Revista Veja BH como a melhor exposição da temporada na cidade, foi visitada por mais de 80mil pessoas em 40 dias. Fonte: Jornal da Canastra.


Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Blumenews.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

FURB: a ‘nossa’ Universidade e os ‘seus’ espaços


Quando eu estudava na FURB, era possível chegar numa sala, normalmente aberta, para se reunir com amigos ou colegas num dia qualquer pela manhã ou até mesmo à tarde, antes da aula noturna. Fazíamos isso até aos sábados e domingos, especialmente nos tempos em que militava no movimento estudantil do curso de Direito. Afora estes espaços, tínhamos opções fora de sala, num tempo em que os carros ainda não tomavam conta de todos os cantos da instituição.

Esta realidade mudou. Qualquer espaço ao ar livre, entre os prédios, hoje é tomado por carros. As salas de aula, agora com equipamentos de informática e eletrônicos, começaram a ser fechadas por ocasião dos furtos. A burocracia aumentou, visto que entrar numa simples sala, para realizar qualquer evento ou encontro, o aluno deve requisitar primeiramente ao DCE para que este então solicite reserva à instituição; ou então tem que contar com a boa vontade de um professor. O direito ao encontro vem sendo tolhido pouco a pouco, segundo os alunos, há também a proibição dos mesmos se sentarem nos cantos que ainda sobraram entre corredores, com a vigilância e controle dos guardas presentes na instituição. Não raro, a dispersão dos ‘grupelhos’ é balizada pelo olhar parcial, por vezes preconceituoso, daquele que vigia.

Os mecanismos de controle dissolveram a espontaneidade dos encontros e convivências, usurparam as trocas de ideias e saberes até mesmo com colegas de outros cursos e também com a comunidade.  Os alunos, roboticamente, limitam-se a entrar na sua sala, assistir à aula e simplesmente ir embora. Do alto da passarela que corta a Antônio da Veiga, podemos reviver cenas do filme Tempos Modernos, impossível não comparar a entrada e saída da Universidade com a mesma dinâmica fabril, alunos-operários numa triste massa indistinta, tolhidos em suas originalidades e espontaneidade.

Filme 'Tempos Modernos'

Para pressionar a instituição, depois de tantos pedidos e insistências, um grupo independente de alunos “Ocupou a FURB”: estão provisoriamente instalados numa sala de aula (R-307), com a finalidade de servir de espaço para o debate livre e aberto dos estudantes e para acelerar a negociação com a Universidade até que a mesma disponha de um espaço real de convivência.


Movimento Ocupação FURB.
Foto: Paula Angels

Mais gramados, árvores, bancos e mesas. Menos cimento e estacionamentos. Mais coerência entre a teoria e a prática. Não é possível teorizar tanto sobre a cidade e a sociedade, sem viver e observar isso na própria Universidade. A Universidade deveria ser um espaço de mudança e de novos olhares sobre a cidade e a sociedade; e não reproduzir o seu status.


Este é um dos sete quiosques (espaços de convivência) que estão
sendo construídos na  UFAC (Univ. Federal do Acre).

A FURB, por meio de seus gestores, precisa urgentemente rever o conceito de Universidade, que ainda se autorrefere como Pública. Uma Universidade verdadeiramente pública deveria priorizar espaços de convivência para acolher os estudantes, professores, demais servidores e toda a comunidade, estimulando assim a troca de ideias e saberes espontâneos. Uma Universidade com travas e fechaduras burocráticas não é uma Universidade. É prisão, do lado de fora e de dentro.


Fontes:
Ocupação FURB - espaço real de convivência: clique aqui
UFAC constrói novos espaços de convivência: clique aqui


Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis, Jornal Expressão Universitária - Sinsepes/Furb e no Portal Blumenews.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

“Ninguém apanha quieto, só Gandhi”


Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias...
(Um Índio, Caetano Veloso)

Os índios que se manifestaram em Brasília, suplicando mais uma vez por justiça, pela demarcação das poucas terras que lhes sobraram e ainda não foram usurpadas, foram covardemente atacados pelas fardas do nosso Estado, fardas que no passado eram inimigas e que agora são aliadas, requisitadas na brutal repressão daqueles que tem a coragem de reivindicar justiça. Num trágico eterno retorno da opressão, numa triste constatação que o antigo oprimido, tornou-se opressor.

Fonte: Jornal Der Spiegel (Alemanha)

Esses índios lutam contra a selvageria dos não-índios e, acreditem, não sobreviverão à crueldade, maldade e principalmente à tanta mediocridade dos que pouco sabem e se limitam à entendê-los como selvagens.

Assistimos de braços cruzados, policiais com sua cavalaria, jogando bombas de efeito moral, atirando com balas de borracha. E quando um índio exerce a autodefesa, acertando com seu arco e flecha a perna de um policial, a imprensa do nosso país usa esse fato para tratá-los como selvagens; para então depois repetirmos como papagaios e comentarmos a ‘selvageria dos índios’ nas redes sociais. Todos nós deveríamos saber como bem dito numa das redes, que ‘ninguém apanha quieto, só Gandhi aguentou isso’. 

Jornal Der Spiegel (Alemanha)

Na imprensa internacional, o ataque da polícia aos povos indígenas repercutiu sob outro ângulo: fotografias como do jornal alemão Der Spiegel, filmagens da Agência Reuters e testemunhos de jornalistas internacionais, mostram que quem começou o ataque foram os policiais. Sim, imprensa internacional, porque nossa imprensa vendida ao agronegócio e aos latifundiários preferiu comentar uma flecha que acertou um policial. Uma flecha... contra balas de borracha, gás lacrimogênio, bomba de efeito moral e cavalaria. Lembram na escola que vocês aprenderam que em 1500 os índios nada puderam fazer contra o invasor europeu, pois este tinha armas de fogo, cavalos e armaduras e os índios apenas arco-e-flecha? Estou aqui me perguntando quando o Brasil esqueceu tal fato. Não era para os jornalistas [da mídia corporativista] investigarem detidamente os fatos antes de publicarem? Qualquer livro didático de história do sétimo ano do fundamental ou até mesmo a Wikipédia lhes forneceria informações bombásticas sobre o genocídio indígena que ainda ocorre no Brasil, desde a colonização europeia.

O que os ‘donos’ do Estado e esta mídia não perceberam é que não é mais preciso séculos de silêncio para mostrar a verdade dos fatos. A tecnologia, em tempo real, agora nos mostra o quanto fomos e ainda estamos coniventes com a violência perpetrada por este Estado ‘democrático’.

Deixamos destruir nossas florestas e matas com a invasão do agronegócio e da monocultura. Deixamos nossas cidades praticamente inabitáveis pelo barulho, poluição e invasão descomunal de concreto. Autorizamos a venda de nossas cidades a empreendimentos privados. E com o nosso silêncio somos cúmplices de assassinatos do nosso povo.

E os selvagens são eles?

  
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito

Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

(Um Índio, Caetano Veloso)


Poema Navio Negreiro, de Castro Alves 
e música 'Um índio", de Caetano Veloso



Fontes:
Washington Post: http://wapo.st/SeJzzS
BBC/Londres: http://bbc.in/1piFZmx
Der Spiegel: http://bit.ly/1tOujHM
New York Times: http://nyti.ms/1kn0k7x
Frankfurter Allgemeine: http://bit.ly/1ot399M

Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.

domingo, 25 de maio de 2014

Uma cartografia do som: a magia da música nas estações de trem


Se existe um excelente lugar para observar o cotidiano europeu é uma estação de trem. Obrigatória em quase todas as cidades, ‘gentes’ de todos os lugares do planeta, com suas diversas fisionomias e trajes, se entrecruzam entre o burburinho incompreensível de tantos idiomas falados. Mas, no meio disso tudo, é possível estabelecer uma linguagem comum a todos: para além do ir e vir de milhares de pessoas, nas ‘Gare’, ‘Hauptbanhof’ ou ‘Central Station’ existem pianos públicos e livres, à espera de alguém para tocá-los. Não raro, você está naquela apreensão, procurando o local de embarque ou a saída da estação e, de repente, esse sentimento se dissipa na harmonia das notas musicais, tocadas por um viajante anônimo.

Nossa primeira boa surpresa foi em Strasbourg, olhamos para o piano e simplesmente pensamos que era do Café ao lado: foi quando um jovem rapaz chegou e começou a tocar que notamos que o instrumento estava ali à disposição de todos. Como em Londres, quando vi um garoto de uns 10 anos tocando com uma habilidade de dar inveja.


St. Pancras Station (Londres)

Talvez a experiência mais bela tenha acontecido num dia bem cedo, por volta das 7h da manhã, na Gare du Nord em Paris, a caminho de Amsterdam. A maioria dos passageiros de pé, com suas malas ou mochilas, olhavam em silêncio, quase estáticos, para o imenso painel de horários e destinos. Concreto, vidro, ferro e a pressa das pessoas aumentavam o frio da manhã. Até que a melodia de Pour Elise, de Beethoven, tocada no piano por algum viajante, curou a ansiedade e me fez lembrar uma cena do filme “Cidade dos Anjos”, com os anjos a ouvir a música do nascer do sol. A fotografia ficou só na memória, pois o nosso trem chegava naquele instante.

Aqui em Paris também é comum ver músicos com seus violões, violinos, acordeões nas estações de metrô, nas paradas ou até mesmo dentro dos vagões. Na estação Saint-Michel, saindo do vagão e subindo as escadas rolantes, encontramos em alguns sábados o haitiano Dikerson Eveillard. Cantor com uma voz vibrante e inconfundível, ele também impressiona pela interação com o público. Não foi uma, mas várias vezes que, voltando de algum lugar, escutamos sua voz e violão. Não há como não ficar ali parada para ouvir ao menos 4 ou 5 músicas; muitos vão parando, cantando junto e alguns até dançam, num pequeno espaço dentro daquela estação, em meio aos passageiros, por vezes apressados, mas nunca incomodados pelo aglomero em volta do artista.  Na primeira vez, lembro-me de subir aquelas escadas ao som de Hallelujah, numa entonação mais que contagiante, e a sensação de não querer que aquele momento terminasse.


Dikerson Eveillard  - Saint-Michel – Station Métro (Paris)

Esbarrar-se com a arte, ser surpreendido por ela (e não somente ir ao seu encontro), é o que também nos fascina. São de momentos assim que precisamos para alimentar o espírito. Esses músicos viajantes, nômades e anônimos em estações de trem e metrô, também nos trazem, nem que por um breve instante, um fôlego de humanidade. 

Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.