Está
cada vez mais comum ‘ver’ nas redes sociais pessoas destilando seu ódio às
diferenças humanas, muitas covardemente escondidas sob o manto do anonimato.
Ainda não damos a devida atenção a essa prática - e ingenuamente a ignoramos,
entendendo que estes indivíduos não passam de pessoas inofensivas.
De fato, eles não são. Vamos fazer uma
breve análise para percebermos como o ‘ódio virtual’ tem se transformado, numa
velocidade assustadora, em violências reais aterrorizantes. Os militantes do
ódio iniciam sua violência virtual por meio de comentários preconceituosos em
páginas diversas: jornais de grande circulação, blogs, redes sociais, etc.;
Começam anônimos, mas hoje parece haver um ‘pacto antiético’ que muitos nem se
importam mais com o anonimato e, claro, a certeza da
impunidade. Observando os movimentos desses
indivíduos na internet, percebemos que a incitação à violência não para por aí.
A emoção de poder expor seu ódio publicamente não basta: é necessário procurar
outros iguais – e é nas redes sociais que eles se encontram. Começam os
primeiros contatos, mensagens privadas, compartilhamento de fotografias, vídeos
e textos que propagam preconceitos de todos os tipos e estimulam ainda mais o
ódio.
Depois de um tempo as conversas já não são mais suficientes, então criam páginas, blogs e perfis no facebook. Alguns elaboram textos, manifestos e compartilham na rede. Outros chegam a postar vídeos no youtube. Nestas páginas e redes sociais, iniciam ataques pessoais aos militantes de direitos humanos, feministas, líderes de movimentos LGBT, negros, estrangeiros, etc., enfim, aqueles que defendem as ‘minorias’. Depois de um tempo, esses ataques virtuais já não são mais suficientes.
Como há
muito tempo esses indivíduos estão vivendo num mundo irreal, inventado e
alimentado por delírios e ódios compartilhados pelo grupo, chega um momento em
que eles precisam elaborar e colocar planos em ação. Entre os
militantes do ódio também há uma competição pra ver quem será o mais corajoso -
aquele que realizará o primeiro gesto de violência física. É quando estes
militantes do ódio vão para as ruas para agredir ou estuprar, ou mesmo matar
aqueles que são objeto do seu ódio.
No mês passado (fevereiro/2013) saiu uma das sentenças mais esperadas pela comunidade on line e movimentos sociais que lutam contra crimes de ódio que se alastram pela internet numa velocidade avassaladora. Trata-se do julgamento de dois homens, um de Curitiba/PR (engenheiro de 32 anos) e outro de Brasília/DF (formado em ciências da computação pela UnB, de 26 anos), que estão presos desde março de 2012 e agora foram sentenciados a 6 anos de prisão por incitar a violência e ódio aos negros, judeus, nordestinos, homossexuais e mulheres na internet. Dessa decisão ainda cabe recurso, mas o juiz determinou que permanecessem presos até o trânsito em julgado do processo.
Os dois mantinham um site que ensinava, inclusive, como abusar sexualmente de crianças e estuprar mulheres. Também se referiam às mulheres em geral como ‘merdalheres’. E, pasmem, um deles é casado! O site se tornou viral (milhares de pessoas passaram a acessá-lo). Um dos sentenciados, aparentemente em viagem à Nova Délhi/India, realizou filmagem e postou no youtube todo o seu discurso de ódio pelos humanos negros, gays, mulheres, nordestinos e indianos. Segundo trechos da denúncia feita pelo Ministério Público e citados na sentença, alguns dos dizeres foram esses: ‘estado de preto é sujeira, como estado inerente da mulher é a prostituição’, ‘o estado natural do homem branco é o trabalho, é a limpeza’, referindo-se aos negros como ‘macacos’, ‘animais’, cujas relações sexuais mantidas entre estes e ‘loiras miscigenadoras’ implicam em ‘zoofilia’. ‘A prostituição é inerente ao caráter feminino, e eu completo dizendo que a sujeira é inerente ao caráter negro e do pardo, então eles fazem uma combinação mortal’. Os nordestinos também não escaparam: ‘uma alemã idiota lá na Bahia, ela casou com um baiano, um nordestino cabeça chata, cara de macaco puro, véio, cara, dava nojo quando eu vi ele, a foto dele’. Falando sobre os indianos
Foram
mais de 65 mil denúncias ao SaferNet –
organização que luta para defender os direitos humanos na internet – que
informou à Polícia Federal, quando então o Judiciário expediu mandado de prisão
e de busca e apreensão de materiais desses indivíduos. Segundo a polícia, ambos
estavam planejando um ataque, logo após o carnaval/2012, a estudantes da
Universidade de Brasília (UnB), pois foi encontrado um mapa de uma casa de
eventos que serve de local de reunião dos alunos. ‘Há indicativos de que
haveria um ataque após o Carnaval. As mensagens dizem que dariam um tratamento
àquele 'câncer', fazendo referência aos estudantes, quando eles estivessem
reunidos no local’, disse o delegado Wagner Mesquita, da PF no Paraná.
Fazendo
uma breve pesquisa na internet, encontrei inúmeros casos de agressões motivadas
por preconceito e ódio, selecionando os mais recentes. Não tenho dúvidas que os
militantes do ódio são os responsáveis – diretos ou indiretos – pela ocorrência
ou encorajamento dessas agressões, muitas vezes em plena luz do dia, em espaços
públicos e na frente de muitas pessoas que, por medo, preferem não interferir.
Só pra citar alguns casos:
Ø A
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República enviou no mês de
setembro/2012 uma missão especial para Curitiba/PR, a fim de colher o
depoimento de 15 ativistas LGBT que foram ameaçados de morte nos últimos meses
na cidade. Todas as ameaças
têm cunho homofóbico, com perfil de crime de ódio e as ameaças vem acompanhadas
de requintes de crueldade.
Ø Em
Brasília/DF, uma estudante de Agronomia da UnB foi espancada e chamada de
“lésbica nojenta” no estacionamento do campus, em 20/02/2013. Nesse mesmo dia,
uma briga entre um casal de mulheres acabou envolvendo a polícia e terminou com
dedos amputados de uma delas e acusação de homofobia contra os policiais, em
Valparaíso, no Entorno do Distrito Federal.
Ø Também
estão aumentando as agressões a casais gays em todas as cidades – os mais
noticiados atualmente são aqueles que ocorrem nos metrôs de São Paulo.
Ø Em
Queimadas/PB, dez homens foram presos por envolvimento no estupro coletivo de
cinco mulheres – e na morte de duas delas – ocorrido no dia 12/02/2012. Segundo
a polícia, o crime foi premeditado por dois irmãos, sendo que os estupros das
mulheres teriam sido um ‘presente de aniversário’ de um irmão para o outro.
Após atrair as vítimas para a festa, os dois teriam combinado com outros seis
comparsas para que forjassem uma invasão à residência e praticassem os
estupros. Apenas as mulheres dos irmãos não foram estupradas. Um dos irmãos foi
sentenciado a 44 anos de prisão, em outubro de 2012. Cabe recurso.
Ø
Em fevereiro/2012, um menino de 12 anos
se suicidou em Vitória/ES, após ser alvo de bullying
na escola. Segundo relatos, o aluno era humilhado, empurrado e xingado de
"gay", "bicha" e "gordinho" pelos colegas. O
garoto deixou uma carta pedindo desculpas pelo ato e disse que não entendia por
que era alvo de tantas humilhações.
Ø Em
fevereiro/2013, circulou no facebook a foto e a postagem de uma adolescente no
site de relacionamentos ask.fm, em que respondia porque ela não gostava de
negros: ‘Pq eu sou assim. Eu não gosto pois acho nojento os negros e etc.. (com
exceção dos famosos e etc...). Cada pessoa tem um erro cada pessoa tem uma
falha. Eu não gosto acho nojento os negros claro que se fosse meus pais e etc.
eu ia aceitar mas não são. Então eu tenho até nojo de me encosta (sic) num
negro.’
O
preconceito é contagioso e pode ser uma arma letal. Começa muitas vezes em
casa, com os pais fazendo e contando piadas ‘aparentemente inofensivas’ de
negros, gays, mulheres, nordestinos e aqueles que não se enquadram no padrão
midiático de beleza: os gordinhos. Está nos programas de humor que achamos
inofensivos e assistimos em família. Chegando na escola, as crianças passam a
repetir as mesmas piadas aos coleguinhas. Ao coleguinha tido como diferente,
elas se acham no direito de debochar, escrachar, dar risadinhas (afinal, assim
aprenderam em casa e na TV!), no intuito de atingir e isolar a criança não
padronizada. Na era da internet, essas crianças também ‘brincam’ e espalham o
que aprenderam em casa e na escola de outra forma: ofendendo e debochando de
coleguinhas pela rede. Um dia elas serão adultas e algumas delas se tornarão
militantes. Do Ódio.
Hoje
esses militantes do ódio podem ser o teu
amigo do facebook, o teu colega de trabalho, o vizinho. Não está longe de ti. O
preconceito também pode bater a sua porta a qualquer momento: dificilmente
alguém escapará disso. Seja por motivo de sexo, cor, raça, religião, militância
política, militância de direitos humanos, etc. O gay sofre, o negro sofre e os
umbandistas sofrem. As mulheres, os deficientes e os gordos sofrem. Os pobres e
os índios sofrem. E tantos outros! Com o meu e o seu preconceito. Eu e você
podemos sofrer preconceito! Dificilmente você não será atingido, pois se não
for, será um filho seu, um parente ou um amigo seu.
A tua verdade pode não ser a minha. A tua
fé ou a tua militância pode não ser a minha. O teu sexo/gênero pode não ser o
meu. Mas nem por isso tenho o direito de te agredir ou impedir de ter os mesmos
direitos que eu. Nem por isso tenho o direito de impor a minha verdade sobre a
sua, mesmo estando sinceramente convencida dela. E nem você impor a sua verdade
a mim. Nem o Estado democrático de
direito pode ser negligente: deve garantir os mesmos direitos civis a todos os
seus cidadãos, independente de orientação sexual, credo ou cor. Também deve
punir toda forma de agressão e criar mecanismos legais para isso. Não podemos
admitir – num estado laico como o nosso - que o fundamentalismo cristão se
apodere do Congresso Nacional para impedir a garantia de direitos.
Precisamos,
mais do que nunca, denunciar toda forma de preconceito, inclusive as que vemos
na internet, aparentemente ‘inofensivas’. Somos nós que apertamos os gatilhos
sociais, quando nos omitimos contra esses crimes de ódio. É preciso denunciar
cada postagem, cada violência cometida! Quanto mais denúncias sobre um caso,
maiores são as chances de investigação e punição.
E o
mais importante: acima de tudo e também de qualquer credo, precisamos educar os
filhos com ética para a vida; e isso nós faremos se formos exemplo: olhando para
nós mesmos, nos despindo de nossos enraizados preconceitos e, sobretudo, tendo
ética em nossas relações. As leis servem para punir enquanto não houver ética –
e são necessárias, infelizmente. Mas ainda torço para que um dia elas se tornem
algo em desuso.
Onde denunciar:
No
site da Safernet, organização que luta para defender os direitos humanos na
internet, há uma seção que orienta os usuários da internet sobre o que fazer
em caso de crimes de ameaça, calúnia, injúria, pornografia infantil, racismo,
apologia e incitação a crimes contra a vida, xenofobia, neonazismo,
homofobia, etc. Entre as instruções estão a preservação de todas as provas,
realização de denúncia e também o envio de uma carta registrada, com modelo
disponível no site, para o provedor de serviço tirar a página ofensiva do ar.
|
*Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis; no Portal Blumenews, de Blumenau e no Blog do Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-militantes-do-odio-nas-redes-sociais)
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