Quando o portal ‘catraca livre’
escreveu há alguns meses que os muros falam e deveríamos ouvi-los, despertou-me a curiosidade. Que muros são estes, afinal?
Resolvi prestar atenção nos
muros de Blumenau e a primeira coisa que percebi é que muitos dos muros que
lembrei que tinha alguns escritos foram limpos, numa campanha de higienização e
esquecimento das reivindicações de tantos blumenauenses. Enquanto isso, a
poluição visual das marcas publicitárias nas cidades é normalizada, bem longe
de ser entendida como ato de vandalismo.
Uma inscrição no muro nos
interpela e às vezes exige uma resposta, podendo nos convocar também a uma
autocrítica. Como já alertou a filósofa Márcia Tiburi, a revolta da sociedade
contra a pichação/inscrição advém do ideal de limpeza estética, da brancura ou
do liso dos muros, numa “sacralização que faz da pichação o demônio”,
dificultando assim outras leituras. O grito impresso nos muros também pode ser
“a irrupção do insuportável”, numa “tão assustada quanto autoritária sociedade
civil analfabeta” (politicamente analfabeta).
Fazendo uma incursão por algumas
ruas de Blumenau, fotografei os escritos e também busquei imagens já
registradas por outras pessoas. O resultado está aí: os muros da cidade nos
dizem muito. Vamos ouvi-los!
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(Rua Max Hering) |
Essa frase desalinhada, talvez
por ter sido escrita às pressas, nos convoca a pensar na forma que estamos
(sobre)vivendo: a rotina que nos é imposta pelo sistema e que aceitamos
servilmente: produzir para consumir. Numa cidade que ainda acredita ‘que o
trabalho dignifica o homem’, faz-nos refletir sobre as imposições do mundo do
capital que dia após dia mortifica o ser humano na sua rotina
trabalho-casa-trabalho e o silencia em doses diárias de TV e fluoxetina. E
você, vive? Vive o lazer, a arte e cultura de sua cidade? Aproveita suas praças
e ruas? Tem seus momentos de lazer com a família num calmo passeio pelos
parques? Consegue ter o seu tempo para ir a uma apresentação musical ou
teatral? Já levou seus filhos nos museus da cidade? Qual foi o último livro que
leu e perdeu-se no mundo de fantasia e reflexões? Ou você apenas sobrevive para
manter o Sistema?
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(Rua Heinrich Hosang) |
Já escrevi muito sobre como pedalar mudou minha vida. O prazer do vento no rosto, sentir na pele a memória da infância e no presente a liberdade. Sentir que naquele momento em que você está pedalando: o tempo, a vida, os pensamentos são apenas seus; é um instante de encontro consigo. A possibilidade de redescobrir a cidade, exatamente como quando saí de bicicleta para tirar as fotos que agora ilustram este texto. Encontrando os pequenos detalhes das ruas, a bicicleta nos devolve o direito à cidade, o prazer de contemplar uma pequena flor ou um detalhe despercebido da arquitetura, revivendo um cotidiano que a rotina de trabalho nos surrupiou. Nesta imagem há uma convocação à simplicidade da vida: andar de bicicleta e amar.
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(Rua Heinrich Hosang) |
Esta frase nos convoca a pensar
como um grande evento (copa do mundo) está influenciando diretamente na vida de
comunidades carentes, que pouco a pouco estão sendo removidas compulsoriamente
de seus lares (como aconteceu com a aldeia maracanã e outras localidades) -
fruto de especulação imobiliária disfarçada de melhorias para as cidades, tudo
com respaldo estatal. Por que a vida, a
dignidade humana, vale menos que o capital voraz de empreendimentos
imobiliários ou um evento de copa do mundo? Vale lembrar que os inúmeros conflitos
vivenciados no Rio de Janeiro é reflexo direto dos gastos excessivos com a copa,
ao mesmo tempo em que a população continua andando em transportes públicos
deficitários e vergonhosos, os professores continuam com salários baixíssimos e
as escolas em situações precárias. E, ainda, temos o caso do servente de
pedreiro Amarildo, desaparecido após uma sessão de tortura praticada por
policiais da UPP. E os políticos? Bom, Sérgio Cabral continua morando muito bem
no Leblon.

Talvez esse seja o mais difícil de analisarmos num primeiro olhar, dada a complexidade filosófica do mesmo. Aqui os autores fazem uma defesa da vida animal, ao mesmo tempo em que condenam as experiências de laboratório com animais não-humanos, e também defendem a alimentação vegetariana, levando em consideração todo o processo de violência que os animais são submetidos em fazendas, granjas e etc., para sustentar a alimentação humana com base na carne. O preconceito de espécie a que se referem é o fato de humanos considerarem os animais não-humanos inferiores e com base nisso, infligir-lhes dor e sofrimento.
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(Rua Antônio da Veiga) |
A frase e o desenho trazem uma
crítica direta à sociedade de consumo, mostrando a cegueira do indivíduo pelo
desejo de consumir objetos e marcas. A pessoa que sobrevive, como naquela
primeira pichação, é também aquela que consome e trabalha para manter o seu
consumo. Todo este ciclo conduz unicamente ao bem-estar de poucos, donos das
grandes empresas e políticos corruptos. Para além do consumismo, o estêncil
exorta para buscar nas relações e nos pequenos prazeres cotidianos o Valor do
bem viver.
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(Rua Antônio da Veiga - passarela) |
Esta frase, grafada na
passarela da FURB, traz uma convocação à necessidade de pensar além do senso
comum, além do que nos é transmitido pela mídia de massa. Como no Brasil já se
passaram décadas de informação sem reflexão, parece que perdemos a capacidade
de pensar com a própria mente, andar com as próprias pernas e enxergar além do
que nos é transmitido pela tela da TV.
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Muro da FURB: novamente a reflexão sobre o quanto
é importante pensar além do capital. |
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(Muro da FURB) |
Essa outra imagem mostra-nos
uma crítica à mercantilização do ensino e do saber, que implica invariavelmente
na impossibilidade de pensar além. O conhecimento tornou-se ‘moeda’
especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, e o ensino superior
e médio são cada vez mais ditados pelos padrões de qualidade exigidos pelo
mercado de trabalho, cujo objetivo é a formação em nível técnico. O ensino a
serviço do capital e das leis de mercado nos impossibilita o desenvolvimento da
criticidade, o crescimento humano, pessoal, ético e ir além do senso comum.
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(Rua Timbó) |
Da Europa temos tido notícias
constantes do retorno do nazismo, tristes conceitos que achávamos debatidos e
para sempre excluídos como possibilidade política, mas que infelizmente sempre
retornam com atitudes fascistas e comentários saudosistas. Aqui o muro relembra
o terrível erro do passado, enquanto em páginas de papel e em mensagens
virtuais, ou mesmo em cédulas de votos, tentam acordar o antigo ideário de
exclusão.
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(Rua Timbó) |
Aqui nesta mensagem, faz-se uma
apologia à perda de juízo: ousar mais, sair do que nos é ditado como
‘politicamente correto’, ‘padrão’, a fim de tornar a vida mais alegre e com
algum sentido.
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(Rua Timbó) |
A crítica à mídia de massa e a
monopolização dos meios de comunicação nunca foi tão evidente como na era de
redes sociais. Esse desenho é dirigido especificamente à rede globo, que já distorceu
muitos fatos na história - apoiou a ditadura e
agora pediu desculpas (como estratégia de marketing) – e continua fazendo o
mesmo, como nos manifestos/protestos de 2013.
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Praça Dr. Blumenau: protestando por mudança. |
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(Rua das Palmeiras) |
No muro que fica bem ao lado da
Câmara de Vereadores, podemos ver a reivindicação pelo passe livre, bandeira
sustentada pela necessidade de mudança no direcionamento dos investimentos
públicos (gasta-se milhões/bilhões em pontes, viadutos e rodovias, mas não se
investe em transporte coletivo gratuito e de qualidade, que a curto e médio
prazo trariam resultados mais eficientes).
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(Centro. foto: Marcos Boeira/divulgação) |
Essa imagem eu trouxe para o
texto por ser bastante significativa pra Blumenau, que desde a desativação das
lombadas eletrônicas e redutores de velocidade vem apresentando índices
alarmantes de acidentes e vítimas no trânsito. O carro atravessando um muro de
Blumenau nos escancara o quanto as pessoas estão impacientes e violentas no
trânsito caótico tomado por carros. Mesmo assim, não existem investimentos
reais em mobilidade urbana alternativa e na construção de uma cidade para as
pessoas.
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Muro da FURB: uma opinião. |
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Muro da FURB. Resistir, sempre! |
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Av. Martin Luther (foto: Eduardo Abel) |
Numa intervenção intitulada
“Mais arte, por favor!”, artistas de Blumenau pintavam um muro abandonado, sujo
e desgastado da Av. Martin Luther, quando foram interpelados pela polícia e um deles foi autuado.
Isso porque os motoristas que ligaram para a PM, os denunciando como
‘vândalos’, foram treinados midiaticamente para isso: a denunciar tudo, também
a arte, a escrita... a reflexão e a crítica.
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Rua São Paulo, autor desconhecido).
Eu preciso comentar esta? |
Para finalizar, façamos os seguintes questionamentos: Neste mundo, quem
ganha e quem perde com a higienização e o silenciamento dos muros? A quem
interessa qualificar todas as pichações como vandalismo e a poluição visual das
marcas publicitárias como normal e legítima?
* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.