quarta-feira, 31 de julho de 2013

Nas ruas de Blumenau, salve-se quem puder


Boss e Thiago, que foram atropelados 
nesse mês de julho,  em Blumenau.
Foto: Sally Satler
No mês de maio deste ano (2013), fui atropelada de bicicleta por um carro que invadiu a ciclovia, na Humberto de Campos. Por muita sorte, não aconteceu nada grave, só escoriações e algumas partes roxas, mas uma delas ainda persiste no meu corpo.

Alguns dias depois, outro ciclista foi atropelado, também na ciclofaixa. Um mês depois (junho/2013), outro amigo meu, Charles, foi jogado pra fora da pista por um ônibus, na rua Itajaí, que sequer parou para atendê-lo. O diretor social da ABC Ciclovias (Wilberto Boos) que pedala há quase 30 anos pelas ruas de Blumenau, foi atropelado esse mês (julho/2013) na ciclofaixa da rua Joinville. Ele não teve tanta sorte, quebrou a mão direta, comprometeu os movimentos da mão esquerda e está impossibilitado de trabalhar. No mesmo dia, o ciclista Thiago foi atropelado por um ônibus na rua Jorge Lacerda: quebrou o quadril e ficou um mês acamado. O motorista tentou fugir, mas foi parado pelos próprios passageiros. Na última sexta (26/07/2013), um senhor de 69 anos foi atropelado na rua Gustavo Zimmermann, não resistiu aos ferimentos e faleceu. Essas só são as ocorrências que eu tive conhecimento, muitas outras estão acontecendo na cidade, mas não aparecem na imprensa e nem nas estatísticas do SETERB.

A invasão da imprudência nas ciclofaixas, a alta velocidade e o avanço nos sinais vermelhos viraram rotina e regra nas ruas de Blumenau, desde que a fiscalização eletrônica deixou de existir há 3 anos. Os motoristas, impunes, não deixam de transgredir e colocar em risco a vida de ciclistas e pedestres.

A minha indignação e de muitos outros é o descaso com que esse assunto vem sendo tratado: tanto por parte do executivo municipal, que vem atrasando a implantação de fiscalização eletrônica, quanto por parte do legislativo, que não faz qualquer cobrança. Nem ao menos tentam pensar outras alternativas, como a colocação de lombadas físicas para reduzir a velocidade em áreas críticas, que sabemos ser possível pelo art. 94 do Código de Trânsito e pela Resolução 39/98 do CONTRAN. E não venham com a velha desculpa de que lombadas causam danos aos veículos, porque chega de proteger os carros em detrimento de pessoas. Eu preciso dizer aqui que uma vida vale mais do que um carro danificado?

Fonte: RicMais 

Já que Blumenau gosta tanto de se comparar à Europa, deveria tomar como exemplo o que países como Inglaterra, Alemanha, Holanda, Dinamarca, entre outros, vem adotando de medidas moderadoras de tráfego, conhecidas como traffic calming. São medidas físicas desenvolvidas para controlar a velocidade e induzir os motoristas a um modo de dirigir mais apropriado à segurança e ao meio ambiente – dentre elas está a instalação de lombadas físicas/ondulações, priorizando também a constituição de espaços mais humanizados, aí entrado também as ciclovias, para estimular o uso de bicicletas.  

Bicicletada que aconteceu em 26/07/2013, exigindo ciclovias na cidade
A BHTrans produziu e divulgou um Manual de Medidas Moderadoras de Tráfego, apresentado detalhes de exemplos práticos e recomendações para a implantação de medidas de traffic calming baseados na experiência de países europeus e da Austrália. Existem várias ações e, segundo o manual, os melhores resultados em termos de criação de uma atmosfera calma e segura são obtidos quando várias medidas de traffic calming são combinadas. Claro que não se pode deixar de manter também um programa permanente de educação, conscientização e humanização no trânsito.

Em Blumenau, o desespero está em saber que mais pessoas irão morrer não só por imprudência de motoristas, mas também por falta de medidas do poder público (nos últimos 5 anos foram 190 mortes). Quantas vidas mais serão ceifadas até que as autoridades tomem providências efetivas? Enquanto isso, nas ruas de Blumenau, que se salve quem puder.

* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.



domingo, 21 de julho de 2013

Sobre imprensa, polícia e vândalos

Lendo a coluna de opinião de um jornal da minha cidade - Blumenau, publicada na semana passada sob o título ‘ameaça real’, fez-me refletir sobre a confusão que os meios de comunicação de massa fazem para definir quem devemos julgar, condenar e absolver nos manifestos que continuam acontecendo no Brasil, agora falando especialmente sobre os que aconteceram na semana passada no Rio (17/07/13). Podem revelar a má-fé, ou então a grande miopia e ignorância de simplificar o que não é simples.

A cada massacre policial, costuma-se justificar com acontecimentos de toda ordem, colocando tudo e todos no mesmo balaio, como se fossem coisas comparáveis. Podemos começar pela comparação ou confusão tosca entre violência contra patrimônio material e a violência contra seres humanos. Nos dizeres do professor Idelber Avelar, se a imprensa diz e você reproduz a afirmação de que ‘a PM agiu errado, mas nada justifica o quebra-quebra’, pode até estar se anunciando duas verdades, mas a junção das duas, através da conjunção adversativa, produz a mentira. Isso porque sabemos por a+b que a brutalidade policial é conseqüência de um modelo ainda ditatorial/militarizado de segurança pública.

Mas a cobertura da Rede Globo na manifestação ocorrida no Rio/Leblon, mesmo com toda a violência policial em flagrantes forjados, prisões ilegais e a costumeira truculência, optou por mostrar só o mínimo que lhe convinha, que foi sendo replicado por suas afiliadas, seja através da TV ou Jornais, massacrando a inteligência humana a todo o momento. E há quem os (se) defenda.

O que precisamos é fazer as seguintes perguntas quando assistimos a essas coberturas ou lemos suas opiniões: porque as câmeras/filmadoras foram capazes de chegar até os lugares em que ocorria ‘vandalismo’ e a PM não? Porque a PM, ao invés de estar lá, ocupava-se de atacar os manifestantes pacíficos?

No Centro de Comando e Controle da Secretaria de Segurança, o chefe de planejamento do Batalhão de Choque da PM, Giancarlo Sanches, reconheceu que a tropa não atuou para impedir as depredações após a manifestação da última quarta-feira (17/07/13), nas imediações da residência do governador Sérgio Cabral (PMDB). "Estávamos esperando que houvesse realmente uma depredação do local para que pudéssemos agir", declarou. Quando perguntado por que isso só ocorreu cerca de duas horas depois, o porta-voz da PM, Frederico Caldas, interrompeu a entrevista dizendo que Sanches "não é a pessoa adequada para responder".

A atuação do Choque já foi criticada pela Anistia Internacional por realizar ataques indiscriminados contra manifestantes, moradores, frequentadores de bares e até casas de saúde na repressão a manifestantes. Podemos citar duas situações, ocorridas na semana passada no Rio, dentre tantas milhares: 1) o sociólogo Paulo Baía, que criticou ação da polícia nos protestos, sofreu sequestro e foi ameaçado de morte na semana passada. Foi obrigado a entrar num carro por homens armados e com a cabeça coberta por capuzes: 'Não dê mais nenhuma entrevista, não cite a Polícia Militar de forma alguma, senão será a última entrevista que o senhor dará', ameaçaram. 2) um manifestante estava com uma camiseta para molhar com vinagre para se proteger caso a polícia jogasse gás lacrimogêneo. Um policial que o deteve ‘confiscou’ a camiseta, voltando com ela logo depois recheada de pedras portuguesas. O manifestante foi preso, mas como estava filmando com câmera escondida toda a ação da PM, foi solto logo depois pela delegada, quando os advogados dativos da OAB mostraram a filmagem da ação policial. Sabemos que plantar provas acontece a toda hora e lugar. Mas porque nada acontece com os policiais que praticam esta ação?

O que essas manifestações nos escancaram é que não podemos mais aceitar essa forma de segurança ditatorial/militarizada em nosso país, que não se submete a lei nenhuma (ainda que exista lei). O que essas manifestações nos mostram, também, é que não podemos mais aceitar que pouco mais de meia dúzia de empresas, ligadas a políticos e grupos econômicos, detenham o monopólio dos meios de comunicação deste país. São essas as ameaças reais que têm que acabar. São esses os vândalos de um estado que se denomina democrático de direito.

* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Segundo Ato (ou não ato): as teias sobre o tabuleiro







Nesse nosso tabuleiro, a única coisa que se move é o tempo, que corre nos relógios e escorre pelos rostos e mãos. De tão estagnado, vê-se teias emaranhadas entre as peças do jogo.

Pra não dizer, moveram-se os peões nas passeatas e manifestações contra o alto preço que lhes é cobrado para movimentar-se. Disso resultou um único movimento do Rei, além das constantes trocas de secretários: aquele que tirou o famigerado imposto e reduziu as passagens de ônibus.



Mas muitos dos peões permanecem parados, não só porque querem, mas porque continuam sufocados nos coletivos, com prazo de validade vencido. Outros peões, não só permanecem sem ciclovias, mas também presenciam tristemente a destruição daquelas poucas que já existiam; mesmo lutando e reivindicando tanto por caminhos para usarem o invento do mestre Da Vinci.

Enquanto isso, assistimos os cavaleiros da nossa câmara distribuindo datas comemorativas e moções inúteis, com leituras de salmos na frente da cruz. Um deles, portando chapeuzinho de alemão, até protestou na tribuna contra a redução do tempo dos desfiles da Oktober!

Também continuamos lendo como verdade o que a grande imprensa diz que devemos entender, e quem devemos condenar e absolver.

Nesse tabuleiro esburacado e sem rumo, com boa parte já invadida por uma avalanche de prédios, concreto e sem mais tanto verde, desaprendemos a nos movimentar e a ver o horizonte. E vamos ficando assim, inertes... Até quando?


(Primeiro Ato: o rei, o bispo e o tabuleiro. Acesse aqui: http://sallysatler.blogspot.com.br/2013/03/primeiro-ato-o-rei-o-bispo-e-o-tabuleiro.html)


* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Os Últimos Soldados da Guerra Fria


Capa do Livro (foto: reprodução)
Esse livro chegou às minhas mãos pelo colega e amigo Nilton, que instigou a minha curiosidade sobre a história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema-direita nos Estados Unidos, especialmente as anticastristas, a fim de evitar novos ataques patrocinados por estas organizações contra a Ilha. É uma história real, mas com ‘peripécias dignas dos melhores romances de espionagem’.

O momento foi quando Cuba buscava minimizar a crise econômica através do incentivo ao turismo, logo após a queda da União Soviética (1991), seu principal parceiro comercial. É que, desde 1962, após a Revolução (1959), Cuba passou a sofrer embargo econômico imposto pelos EUA, que também proíbe outros países que mantêm relações com os Estados Unidos de estabelecerem relações comerciais com Cuba. O embargo é condenado pelas Nações Unidas e até mesmo por tradicionais críticos do regime socialista de Cuba.

O jornalista Fernando Morais, munido de documentos, fotos, notícias de jornais e relatos dos próprios protagonistas e testemunhas, nos mostra o outro lado da história, aquele não divulgado pela mídia, como os 127 ataques terroristas sofridos pelos cubanos na Ilha, com invasões do espaço aéreo para jogar pragas nas lavouras cubanas e interferências nas transmissões da torre de controle do aeroporto de Havana, além de atentados à bomba nos hotéis cubanos, a fim de afugentar os turistas. Tudo patrocinado e realizado por dezenas de organizações de extrema-direita sediadas nos Estados Unidos, mais precisamente em Miami.

O livro também revela a participação de mercenários da América Central na participação de ataques contra Cuba. Como exemplo, temos a história do salvadorenho Cruz León, contratado pelas organizações anticastristas, e que por ser fã Sylvester Stallone, envolveu-se nos ataques para viver aventuras semelhantes às representadas por seu ídolo. Por isso, teria aceitado uma missão quase suicida: colocar bombas em hotéis e num restaurante em Havana por US$ 1.500 cada uma. Segundo o autor do livro, “Os mercenários centro-americanos não conheciam a situação cubana, nem sabiam o que estava em questão”.  Ao contar sua história ao autor do livro, Cruz León explicou o que o moveu a ajudar os anticastristas: “Eu ia pôr bombas num país que nem sabia qual era, voltaria para casa e iria para a cama com a Sharon Stone. Me senti um espião. Me senti o máximo”. Acabou descoberto e condenado à morte em Cuba, mas depois teve sua pena substituída por 30 anos de prisão.

Desse exemplo, podemos constatar a força da propaganda política dos filmes norte-americanos, principalmente sobre a guerra do Vietnã. São filmes aparentemente ‘tolos’ e ‘inocentes’, mas que durante décadas construíram a opinião pública contra o Vietnã, Coréia e mais recentemente o Iraque e Afeganistão. Estes filmes, além de fazer com que cidadãos americanos tivessem uma opinião favorável à manutenção da caríssima política de guerra sustentada por seus governantes, ludibriaram espectadores de outros países, como Cruz Léon, especialmente aqueles que os EUA exerciam influência política, econômica e cultural, financiando governos militares e ditatoriais como na América Latina e diversos países do continente Africano. Interessante seria saber quem financiou estes filmes, e não nos espantaria se a indústria de armas e afins constasse entre os patrocinadores, ainda que indiretamente. Essa mesma propaganda política é feita contra Cuba, por meio dos seriados policiais ambientados em Miami, mas principalmente pela mídia estadunidense, copiada e repetida pela mídia brasileira.

Apesar das várias reclamações oficiais de Cuba aos EUA sobre os atentados sofridos, inclusive em carta entregue em mãos por Gabriel Garcia Marquez a Bill Clinton, nenhuma medida foi tomada a fim de evitar novos ataques, nem mesmo pelas organizações internacionais. Diante disso, é que Cuba decidiu criar a Rede Vespa, um grupo de agentes de inteligência cubanos que teve como missão se infiltrar nessas organizações a fim de antecipar a informação de novos ataques à Ilha, evitando que os mesmos acontecessem. Os espiões conseguiram, assim, impedir uma série de ataques, até que foram pegos pelo FBI, em 1998.

Um dos agentes designados para se infiltrar nas organizações anticastristas, 
na Flórida, a fim de antecipar informações para evitar novos ataques à Cuba.

Cinco agentes da Rede Vespa foram condenados em Miami por conspiração para espionar, conspiração para assassinar, entre outros, num julgamento cuja condução foi alvo de muitas críticas internacionais. A Anistia Internacional também criticou o tratamento prisional dado aos cubanos, como a proibição de visita das esposas de dois dos agentes. Oito vencedores do Prêmio Nobel já escreveram uma carta para o Procurador Geral dos EUA pedindo a liberdade para os cinco cubanos, dentre eles José Saramago.

Esse livro também nos faz refletir sobre os motivos que levaram e ainda levam os EUA a manter o cruel embargo econômico contra Cuba. E um deles certamente não é a luta pela democracia, eis que esse mesmo país defendeu e bancou a cruel ditadura de Fulgêncio Batista em Cuba, patrocinou o regime militar no Brasil e muitas outras ditaduras ao redor do globo.

Sim, muitas violências foram cometidas pelo regime cubano, inclusive algumas são mencionadas no livro. Mas o que dizer das imposições incutidas dia a dia pela mídia, plantando concepções políticas muitas vezes baseadas em fatos dissociados da realidade, tudo em nome do capital voraz, que nos vê apenas como consumidores e não seres humanos; que nos vê como cidadãos servis e autômatos; que só vale o ter, em detrimento do ser e saber?

* Os Últimos Soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais (Companhia das Letras, 2011).

* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.