Um índio descerá de uma estrela
colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa
velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação
indígena
E o espírito dos pássaros das fontes
de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das
mais avançadas das tecnologias...
(Um Índio, Caetano Veloso)
Os índios que se manifestaram em
Brasília, suplicando mais uma vez por justiça, pela demarcação das poucas
terras que lhes sobraram e ainda não foram usurpadas, foram covardemente
atacados pelas fardas do nosso Estado, fardas que no passado eram inimigas e
que agora são aliadas, requisitadas na brutal repressão daqueles que tem a
coragem de reivindicar justiça. Num trágico eterno retorno da opressão, numa
triste constatação que o antigo oprimido, tornou-se opressor.
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Fonte: Jornal Der Spiegel (Alemanha) |
Esses índios lutam contra
a selvageria dos não-índios
e, acreditem, não sobreviverão à crueldade, maldade
e principalmente à tanta mediocridade dos que pouco sabem e se limitam à
entendê-los como selvagens.
Assistimos de braços
cruzados, policiais com sua cavalaria, jogando bombas de efeito moral, atirando com balas de borracha.
E quando um índio exerce a autodefesa, acertando com seu arco e flecha a perna
de um policial, a imprensa do nosso país usa esse
fato para tratá-los como selvagens; para então depois repetirmos como papagaios
e comentarmos a ‘selvageria dos índios’ nas redes sociais. Todos nós deveríamos
saber como bem dito numa das redes, que ‘ninguém apanha quieto, só Gandhi
aguentou isso’.
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Jornal Der Spiegel (Alemanha) |
Na imprensa internacional, o ataque da
polícia aos povos indígenas repercutiu sob outro ângulo: fotografias como do jornal alemão Der Spiegel, filmagens da Agência Reuters e testemunhos de jornalistas
internacionais, mostram que quem começou o ataque foram os policiais. Sim, imprensa
internacional, porque nossa imprensa vendida ao agronegócio e aos latifundiários
preferiu comentar uma flecha que acertou um policial. Uma flecha... contra
balas de borracha, gás lacrimogênio, bomba de efeito moral e cavalaria. Lembram
na escola que vocês aprenderam que em 1500 os índios nada puderam fazer contra
o invasor europeu, pois este tinha armas de fogo, cavalos e armaduras e os índios
apenas arco-e-flecha? Estou aqui me perguntando quando o Brasil esqueceu tal
fato. Não era para os jornalistas [da mídia corporativista] investigarem
detidamente os fatos antes de publicarem? Qualquer livro didático de história do
sétimo ano do fundamental ou até mesmo a Wikipédia lhes forneceria informações
bombásticas sobre o genocídio indígena que ainda ocorre no Brasil, desde a
colonização europeia.
O que os ‘donos’ do Estado e esta mídia
não perceberam é que não é mais preciso séculos de silêncio para mostrar a
verdade dos fatos. A tecnologia, em tempo real, agora nos mostra o quanto fomos
e ainda estamos coniventes com a violência perpetrada por este Estado ‘democrático’.
Deixamos destruir nossas
florestas e matas com a invasão do agronegócio e da monocultura. Deixamos nossas
cidades praticamente inabitáveis pelo barulho, poluição e invasão descomunal de
concreto. Autorizamos a venda de nossas cidades a empreendimentos privados. E com o nosso
silêncio somos cúmplices de assassinatos do nosso povo.
E os selvagens são eles?
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito
Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio
(Um Índio, Caetano Veloso)
Poema Navio Negreiro, de Castro Alves
e música 'Um índio", de Caetano Veloso
Fontes:
Washington Post: http://wapo.st/SeJzzS
BBC/Londres: http://bbc.in/1piFZmx
Der Spiegel: http://bit.ly/1tOujHM
El País: http://bit.ly/1k0hKrb
Guardian: http://bit.ly/SPgDPH
New York Times: http://nyti.ms/1kn0k7x
Le Monde: http://bit.ly/1nTKdxb
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