sábado, 25 de maio de 2013

Mas afinal, o que é a Monsanto?




No dia 25 de maio de 2013 aconteceu um protesto mundial contra a Monsanto, organizado pelo movimento Anonymous, grupo de hackivistas, ou seja, ativistas da Internet que se autodenominam um cérebro global, descentralizado e que atua de maneira anônima. O grupo se encontra em vários fóruns da Internet. Sem um líder definido, os hackivistas se comunicam virtualmente  para coordenar as próximas ações. Participaram do protesto cerca de 330 cidades do mundo inteiro, e aqui no Brasil aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro.


Ao pesquisar sobre a Monsanto, descobri que se trata de uma empresa multinacional estabelecida nos EUA, que produz e vende agrotóxicos específicos para sementes transgênicas, estas também produzidas pela Monsanto. Fica claro que esta empresa representa uma grande ameaça para o mundo: ela já é responsável pela produção de 90% dos transgênicos plantados no planeta, além de produzir agrotóxicos específicos para as suas sementes.
Foto: Veo Verde


A jornalista francesa Marie-Monique Robin, que pesquisou por quatro anos as ações da Monsanto, revelou que os agrotóxicos da empresa estariam diretamente relacionados com o aumento dos casos de câncer em várias partes do mundo. Os pesticidas fabricados (Roundup) já têm sido responsabilizados por uma série de casos de doenças, desde infecções na pele até cânceres, em agricultores ou pessoas que tiveram contato com o produto por via direta ou indireta.


Essa pesquisa resultou na produção de um documentário*, transmitido pelo canal de TV franco-alemão ‘Arte’ e num livro-denúncia, já traduzido em 12 línguas, ambos intitulados ‘O mundo segundo a Monsanto’. Robin revela também os detalhes da “transgenização” dos campos de soja nos países do MERCOSUL, fazendo um alerta: “Em poucos anos nós viveremos uma epidemia de câncer causada pelo uso abusivo de agrotóxicos”.


E conforme relatório divulgado durante o Fórum Social Mundial, a Monsanto está contribuindo também para o crescimento da fome e da miséria mundial. Explica-se: a queda na competição no comércio de sementes pode levar ao aumento de preços dos alimentos, pois sem competição, a Monsanto pode a qualquer momento elevar o preço de suas sementes, elevando, por consequência o custo dos alimentos.


A Monsanto reconhece que advogados do Departamento de Justiça dos EUA estão investigando a empresa, procurando documentos e entrevistando empregados sobre as suas práticas.


Em recente matéria veiculada no Portal Desacato**, é didaticamente revelado o que é essa empresa, seus objetivos e o que não está entre as suas políticas, especialmente aquelas relacionadas ao meio ambiente:


“O QUE É A MONSANTO?


É uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia situada nos Estados Unidos. É líder mundial na produção do herbicida glifosato (Roundup®). É líder de produção de sementes geneticamente modificadas (OGM) de milho, soja, algodão e colza.


Na verdade o que faz a Monsanto? Criação de sementes suicidas (Terminator) – morte da semente após a colheita; toxicidade ambiental; perda da biodiversidade; doenças de animais, incluindo da espécie Humana: problemas gastrointestinais, no sistema imunológico, infertilidade, problemas mentais (Alzheimer, Parkinson, depressão, autismo), câncer, obesidade, problemas de pele e cardíacos.



Cartaz de Portugal, contra as sementes Terminator


O que fazer? Consumir produtos biológicos; trocar sementes biológicas; fazer hortas em casa/comunitárias; forçar o governo a limitar cada vez mais as atividades prejudiciais da Monsanto; informar sobre as marcas associadas à Monsanto e não consumir produtos dessas marcas.”


Por estes motivos está crescendo no mundo campanhas e movimentos contra a Monsanto. O movimento campesino brasileiro promove iniciativas de soberania alimentar alternativa e conscientização sobre a não aceitação dos transgênicos. Vários países estão tentando combater a entrada destes produtos em suas terras, dentre eles a França, que interditou o uso das sementes alteradas. Na Hungria***, em 24/05/2013, foram destruídas todas as plantações de milho transgênicos espalhados pelo seu território. Segundo explica o Ministro do Desenvolvimento Rural, Lajos Bognar, o pólen venenoso ainda não estava dispersado, pois as sementes transgênicas da Monsanto haviam sido plantadas há pouco tempo.


Mas no Brasil, segundo reportagem recente veiculada recentemente no Jornal do Brasil****, a Monsanto tem vencido tudo, sempre com a conivência das autoridades. A Comissão Técnica de Biossegurança e o Conselho Nacional de Biossegurança vêm dando sinal verde aos crimes cometidos pela Monsanto e outras congêneres no Brasil.


Enquanto o Estado falha, só nos resta resistir, praticando a troca de sementes biológicas, fazendo hortas em casa/apto/comunitárias, divulgando as marcas associadas a esta empresa e não consumir produtos destas marcas.


Vamos resistir também?



Foto: divulgação


Fontes:

* Documentário - O mundo segundo a Monsanto:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=gE_yIfkR88M#at=11


** Portal Desacato: Dia 25 de maio será dia de protesto mundial contra a Monsanto
 http://desacato.info/2013/05/dia-25-de-maio-sera-dia-de-protesto-mundial-contra-a-monsanto/


*** Revista Fórum: Hungria destrói todas as plantações da Monsanto
http://revistaforum.com.br/blog/2013/05/hungria-destroi-todas-as-plantacoes-da-monsanto/


**** Jornal do Brasil: A Monsanto além da Justiça
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/02/01/a-monsanto-alem-da-justica/



* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Chuva verde



Que o verde retome essa terra com sua força-natureza
e passe por cima dessas ruínas
de tanto concreto e metal.

Que a chuva, com sua força de lav´alma, 
faça florescer sobre essa sujeira humana, 
girassóis e crisântemos, 
cravos e rosas.

(Sally Satler)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A música do silêncio



Foto: divulgação
A cidade cria artifícios para nos isolar: estamos mais próximos nos prédios e no trânsito, mas cada vez mais distantes de ouvir, olhar e sentir o outro em meio a tanto barulho. No verão de2011 a minha rotina estava tão extenuante que tudo que eu queria era ouvir o silêncio, e optei por passar um fim de semana num recanto da cidade, onde tem mato, grilos, folhas e o som de um riacho. Chegando lá, tomei banho de rio, almocei, e no fim da tarde me instalei num dos chalés. Passados 30 minutos, veio o choque de realidade: os vizinhos que estavam acampados abriram o porta-malas do carro e tocaram o terror, com uma música eletrônica a todo volume. Não pensei duas vezes: voltei pro meu apartamento no centro e fiquei ouvindo o som do ar condicionado.


Nesses momentos suspiro e penso sobre o que faz as pessoas preferirem tanto barulho. De onde vem essa necessidade da batida ritmada, que amortece a própria existência? Talvez por vivermos cercados de barulho que dão a impressão de necessidade de um frenesi, como se estivéssemos dentro de um filme de ação: além das explosões e buzinadas, muitos precisam também de uma trilha sonora eletrizante. Ou porque alguns ainda entendam que o mundo ‘intocado’ tem que ser conquistado e explorado, movidos por um arcaico desejo humano de destruir. Inclusive o som do silêncio! Condomínios, carros, lixo nas ruas e muito, mas muito barulho... Alguém ainda lembra como a praia Brava em Itajaí e algumas das praias de Floripa e Balneário Camboriú eram antes? Pois agora os recantos, com suas matas, rios e pedras, também estão sendo ‘ocupados’ e lentamente descaracterizados - como a Nova Rússia em Blumenau, agora visualizada pela Prefeitura como ‘pólo turístico’ e o Encano em Indaial, que de tempos em tempos é ameaçado pela extração mineral.

Kaylane Satler, na Lagoa da Conceição/Floripa.
Foto: Carla Fernanda da Silva
Pouco a pouco o mundo urbano avança sobre esses ‘recantos’, levando consigo todos os seus vícios... e assim o silêncio vai ficando mais distante, a ponto do mundo moderno tratá-lo como produto raro e comercializável. Só me dei conta disso depois de ouvir a Fernanda Young dizer numa entrevista que “No futuro, o silêncio será uma das coisas mais caras do mundo.” Aí percebi que já precisamos pagar pelo silêncio: as pousadas e hotéis em praias afastadas e áreas rurais já nos cobram um plus para desfrutar dele.

Estar em meio à natureza deveria nos permitir parar pra ouvir o seu som... e a música do silêncio. Viver esse silêncio, sem o som alto do carro, do trânsito, da TV ou do Ipod, possibilita sentir os nossos burburinhos internos, nos concentrar e fazer uma reflexão mais profunda sobre a vida. Também nos mostra a deliciosa opção de contemplar o mundo com outras sensações... e o mais importante: perceber verdadeiramente o outro.


‘antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento’
 (Arnaldo Antunes).


Para ouvir:






* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um encontro com Espinosa



Há um tempo me apresentaram o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza e as inúmeras histórias e aventuras policiais do delegado Espinosa. A minha paixão por Espinosa foi à primeira página.

Um sujeito pacato, que mora no bairro Peixoto, local tranquilo, há poucas quadras da 12ª delegacia, bem perto de uma das praias mais famosas do mundo: Copacabana, no Rio de Janeiro. Espinosa vive num pequeno apartamento, que pertencia a sua avó e tem vista para a praça Edmundo Bittencourt. Esta praça é circundada por alguns prédios residenciais antigos, num lugar que o tempo mal passou e o homem ainda não desfigurou. Ali viveu sua infância, e os bancos, ruas e calçadas são repletas de memórias do menino Espinosa, memórias que emergem em suas caminhadas e investigações.

Praça Bairro Pexoto, Rio de Janeiro
O delegado tem seus livros em casa empilhados um sobre o outro, formando estantes improvisadas, que ele chama de ‘estantes em estado puro’, a maioria comprados nos sebos da Barata Ribeiro e no entorno da delegacia, pois passa por lá sempre e não consegue resistir. Adora comer massas no La Trattoria ou comprar esfihas e quibes na Galeria Menescal. Gosta de jantar lasanha à bolonhesa, daquela congelada que se compra no mercado pra esquentar no micro-ondas, acompanhadas de uma boa taça de vinho tinto. Jamais dispensa um bom livro pra lhe acompanhar na noite, sempre na sacada.

Um homem inteligente, culto, sensível e muito perspicaz, sem rompantes de arrogância ou violência. Não personifica a figura de um detetive cerebral, nem de um herói. Abusa da imaginação e da fantasia para solucionar os casos, mas com a consciência de que “a essência de todo crime permanece irrevelada”, citando um dos escritores que mais admira, Edgar Allan Poe.

Espinosa é daquelas raridades que não se encontram fácil por aí, por isso resolvi procurá-lo quando estive no Rio. Sem muitas dificuldades, encontrei o bairro Peixoto e a praça. Sentei num dos bancos e tentei de todo jeito, identificar o prédio dele. Olhei as árvores, os outros bancos, os balanços e as gangorras. Puxei da memória o mundo dele. Mas não consegui saber qual era o prédio! Senti o vento e a sua direção. A tranqüilidade daquele lugar beirava à magia, tal como ele dizia, e nas memórias e lembranças de tantas histórias, deu pra sentir sua presença ali.

Mas ainda não satisfeita, resolvi fazer o caminho dele até o sebo da Barata Ribeiro... E qual foi a minha surpresa e alegria ao encontrar mais uma história dele, bem ali, num de seus lugares prediletos! Nunca me senti tão perto de alguém que os homens ousam dizer que não existe. Naquele momento, eu sorri para aquele livro, como dois cúmplices, num outro mundo.


Sebo da Barata Ribeiro, Rio de Janeiro

* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

sábado, 11 de maio de 2013

A repressão estatal/policial e a manifestação pela educação na Av. Paulista

(São Paulo, 10 de Maio de 2013)


Pessoas, olhem pra essas imagens e digam que vivemos num país que preza pela democracia e que valoriza a educação e seus professores. Digam que estamos bem, que crescimento econômico é mais importante que a ética humana, e que desigualdade social não nos afeta, pois é só balela e discursinho barato. Digam que a sociedade não está em colapso.


Olhem pra essas imagens e continuem defendendo a repressão policial, que só atinge aqueles que o poder político e financeiro manda atingir. Ou alguém já viu ou ouviu dizer que algum rico que seja corrupto, assassino, estuprador, traficante, apanha de polícia? Pouco a pouco, estamos dando permissão ao terrorismo de Estado.


Reparem na cara do policial dessa primeira imagem. Esse homem não passa de um infeliz. Acha que está fazendo o certo, mas não passa de um pau mandado do Estado, e cumpre ordens sem poder ou sem conseguir refletir sobre elas, porque também teve uma educação tosca.  Paradoxalmente, chego a ter pena dele também, ao mesmo tempo que sinto raiva de tanta covardia... ao ver que a única arma da professora abaixo, na segunda imagem, é uma garrafinha de água.







Sim, estamos em colapso, colhendo os frutos da desigualdade social. Sim, tenho observado nas conversas de rua, de botequim e aqui nas redes sociais, cada vez mais gente ignorante, também fruto de uma educação tosca, defendendo a violência, a tortura policial e até a pena de morte.

O que falta é reflexão e leitura crítica de mundo. O que sobra é alienação. 























sexta-feira, 10 de maio de 2013

Você tem fome de quê?



Eu não acredito que esse mundo, que todos os dias se (des)constrói sob tanto consumo, cimento e pedras, possa nos trazer satisfação e vivência plena. Também não acredito que haja alguma pessoa que, não pensando no capital e seu vil metal, ache que esse mundo já tão cheio de concreto e latas ambulantes, represente aquilo que chamamos de qualidade de vida.

Em março, o Programa Millenium exibiu uma entrevista com o escritor australiano Paul Gilding, um veterano ambientalista, consultor de sustentabilidade e professor associado ao Programa de Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Na entrevista, concedida em plena ‘Times Square’ – coração do ideal capitalista – o mesmo expõe o iminente colapso do mundo moderno, mas com uma dose de esperança, quando divulga seu novo livro: ‘The Great Disruption’, lançado pela Bloomsbury Press (ainda sem tradução e publicação no Brasil). Gilding inicia a conversa chamando a atenção para a rua por onde caminham e o problema que pretende discutir: “Antes de mais nada, trata-se, claramente, de uma dependência. É só olhar em volta. Isto é uma loucura. Não tem a ver com qualidade de vida nem com satisfação. É divertido, mas não é o melhor que a humanidade pode fazer. Nós estamos presos aqui, já que, na maioria dos casos, nós estamos infelizes e a vida não está melhorando nem para as pessoas ricas do mundo. Aí, começamos a procurar as distrações”.

Não é diferente aqui no Brasil. O crescimento econômico da última década fez surgir uma nova classe média, trazendo a mesma falsa ilusão de felicidade das classes que já tinham poder de compra. Só que não estamos mais felizes por isso. Gilding argumenta que no mundo todo é assim, com exceção das pessoas que saem da pobreza para um padrão de vida razoável; porém, uma vez que conseguem os itens básicos necessários, não há mais felicidade além dessa fase. Mas somos todos incentivados a consumir, como se as mercadorias guardassem o segredo da felicidade, porém os recursos do planeta são limitados, finitos; e se todos nós vivermos para o consumo contínuo será o nosso fim.

A análise do ativista não é um chute ou um tiro no escuro. Se observarmos a nossa realidade e para além do Brasil, esse sistema não está à beira de um colapso. Ele já está em colapso! É evidente a escassez de recursos para continuar esse tipo de vida, que já não funciona mais. Nós não ficamos mais felizes ao comprar mais coisas: o que existe é uma dependência criada, continuamente alimentada, que se tornou um desmedido vício, para muitos difícil de abandonar. Como nos alerta Gilding: “Nós estamos tão dependentes desse impacto artificial que nos sentimos bem quando compramos algo, mas não funciona e, dois dias depois, compramos de novo para nos sentirmos melhor”.

Para ele, o estilo de vida de classe média alta – o famoso sonho americano – está morto. Simplesmente porque “não há como 9 bilhões de pessoas viverem assim. O sistema irá quebrar devido ao nível de desigualdade que é necessário para sustentá-lo. No momento, temos crescimento em algumas partes do mundo, mas a desigualdade só piora. É claro que, em algum momento, os mais pobres vão ficar furiosos e destronarão os ricos. As pessoas podem até pensar: ‘Tenho dinheiro, vou ficar bem. Isso me protegerá’. Mas dinheiro não traz proteção”.

A imprensa tende a mascarar as diversas revoltas que acontecem no mundo e comumente classificam tudo de terrorismo, dizendo que as motivações são religiosas ou populistas, contando com a falta de vontade das pessoas de analisar os fatos e a tola credulidade dos governados. As lutas que temos pelo mundo afora são motivadas pela desigualdade, pessoas que cansadas da exploração procuram atingir os países que promovem a exploração, principalmente os EUA. E alguns países europeus também considerados algozes, especialmente a Inglaterra. Pode parecer que Paul Gilding está falando sobre o futuro, mas basta procurar a imprensa alternativa e comprometida para fazer uma leitura critica e perceber que a revolta contra a desigualdade faz parte do nosso cotidiano.

Mas podemos trazer a reflexão pra mais perto de nós. O crescente aumento da criminalidade local também tem como motivação a desigualdade: os baixos salários diante de muitas horas trabalhadas e as péssimas condições da periferia – por décadas esquecidas pelos governos – contrastam com o contínuo apelo ao consumo, que tem como fim o enriquecimento dos donos do capital. Não conseguir consumir causa frustração, que pode se transformar em raiva e ódio, e muitas vezes, leva à violência. Os donos do capital, que constantemente se mostram como vítimas da criminalidade, são também aqueles que geram violência, ao relegar aos trabalhadores a miséria de viver só para o consumo, mas sem poder consumir. A sociedade local e a sociedade brasileira estão sob pressão constante e a criminalidade nada mais é que pequenas explosões.

O problema é que não temos como melhorar enquanto não aceitarmos a realidade. Mesmo percebendo que o sistema está em colapso, ainda negamos isso, simplesmente porque a mudança é um enorme desafio para nós. Para tanto, precisamos acreditar que não estaremos só abrindo mão do consumo. Essa mudança não seria em si um sacrifício, pois não iremos perder nada em particular: “Olhe só ao nosso redor: muitas das empresas que estão aí não existirão mais na economia do futuro. Haverá empresas, empregos e uma economia, mas todos diferentes. Então, se você faz parte do sistema atual, ter de abrir mão disso não é algo agradável em termos de negócio. Mas é isso, obviamente, que acontece o tempo todo no capitalismo e na sociedade.

Isso vale também para questão da mobilidade urbana, quando Gilding afirma que “Talvez isso nos force a abrir mão dos carros da forma como os usamos hoje, o que não quer dizer que não haverá mais carros. Ou seja, nós ainda vamos precisar de bons sistemas de transportes, só que esses sistemas serão outros. Nesse caso, se você estiver envolvido, a sensação pode ser de sacrifício. Mas, com o tempo, haverá a sensação de avanço. Temos que reconhecer as mudanças que precisamos fazer. Ao final, elas serão avanços e não sacrifícios”.

De fato, não há mais como defender o desenvolvimentismo, o crescimento econômico voraz e o progresso com espírito de cruzada – práticas estas estimuladas pelo governo – sem pensar nas conseqüências devastadoras dessas bandeiras. Estamos presenciando crescimento na China e também no Brasil, mas a verdade é que o preço dos alimentos vem subindo, estamos sentindo a sociedade menos estável/mais volátil, com níveis altos de endividamento. Eu vejo a humanidade caminhando, mas com a necessidade imediata de mudar a rota, pois estamos perto de ficar sem saída: se a economia não crescer, as dívidas aparecem e se crescer, logo atingiremos os limites do planeta.

E não basta só pintar a calçada de vermelho pra dizer que temos ‘ciclovias’ e aí nos tornamos sustentáveis. Segundo Gilding, esse tipo de maquiagem “É uma sensação de que temos que fazer algo, mas as maiores coisas que temos de fazer — mudar os sistemas de transporte, de energia e de alimentação — ainda são assustadores demais, além dos muitos interesses que advogam contra isso tudo. Então, fazemos algumas coisas que nos fazem parecer boas, tipo maquiagem verde, para parecer que fizemos algo”. Precisamos de mudanças profundas e já deixamos passar muito tempo. Mas ainda não é tarde demais, e acredito que haverá mudanças, pois não suportaremos mais sobreviver nesse sistema tão degradante e doente.

Depende, sobretudo, de uma postura individual. “O que nós temos de perceber é que a qualidade de vida não vem das distrações, e sim de fazer as coisas. Não se trata de se distrair da vida, e sim de vivê-la. Isso pode vir de uma comunidade mais forte, de aprender coisas novas, adquirir novos conhecimentos, de manter relações com as pessoas, de ter laços mais fortes dentro da sociedade, de ser mais saudável, pois é o que propicia uma vida boa. Mas, se usarmos o nosso tempo para ganhar dinheiro, não teremos tempo suficiente para fazer o que traz felicidade. Aí começa essa dependência não só do que é ruim para o mundo, mas do que é ruim para nós. Nós temos de consertar o mundo, mas olhando para dentro e consertando a nós mesmos. É por isso que toda essa ideia tem a ver com uma evolução consciente da humanidade e de nós mesmos. Reconhecer que isso tem a ver com a qualidade de vida e que a vida assim será melhor é um ótimo começo”.


Crédito: Anonymous Art of Revolution

Muito antes de assistir a essa entrevista, percebi a necessidade de uma atitude de resistência à ditadura do consumismo. Há anos eu venho, aos poucos, mudando a minha postura: ando bem menos de carro, uso mais transporte público e carona para ir ao trabalho, também ando muito mais de bicicleta. Faz tempo que ir ao shopping deixou de ser um ‘programa de lazer’, para ser um local pra comprar o que entendo necessário ou então para ir ao cinema. Viajar se tornou uma busca pelo conhecimento de outras culturas e fico atenta às armadilhas cenográficas fabricadas para incentivar o consumo dirigido aos turistas.

Não é minha intenção dizer aqui que sou melhor que os outros. Faço isso porque realmente me satisfaz, me deixa mais leve, mais livre. Se não compro demais, não me preocupo com meu cartão de crédito e não fico escrava de contas. Comprar por comprar não me satisfaz. Uso o carro com parcimônia. Se não saio direto com meu carro, não me estresso no trânsito e não me incomodo com a falta de estacionamento. Troco qualquer ida ao shopping por um passeio ao ar livre, curto andar de bicicleta, procuro aventuras – não tão radicais – pois em algum momento perdi um pouco dessa coragem. Procuro estar mais envolvida com grupos e coletivos que lutam por uma cidade mais sustentável e humana, pois de nada adianta ficar em casa só reclamando e criticando pelas redes sociais. Valorizo aqueles que partem para pequenas ações individuais, atitudes que não contribuem pra essa cultura de consumismo desenfreado. Mesmo morando em grandes cidades, dá pra ir além do corriqueiro (reciclar lixo e não desperdiçar alimentos), como fazer uma pequena horta no próprio apartamento, que é uma delícia. Isso tudo não é difícil, ao contrário: é libertador praticar esses pequenos atos de auto-gestão, usando sempre da criatividade.

Num texto publicado recentemente por Luciane Evans no portal ‘Pragmatismo Político’, também já se constatou que a “crítica ao individualismo, competição infinita e acúmulo material deixou de ser atitude ‘de esquerda’ para transformar-se em opção cultural de muitos”. Sim, há um verdadeiro fenômeno – não publicizado – apontando que muitos homens e mulheres vêm mudando velhos conceitos em nome da simplicidade, certos de que há muito mais quando se tem menos. Perceberam que o tempo e a energia investidos para aquisição de coisas supérfluas podem minguar as oportunidades de conviver com o outro, de buscar a espiritualidade, autoconhecimento e senso de comunidade. “Escolheram uma vida simples por diferentes razões, que podem estar ligadas a espiritualidade, saúde, qualidade de vida e do tempo passado com família e amigos, redução do estresse, preservação do meio ambiente, justiça social ou anticonsumismo. Algumas pessoas agem conscientemente para reduzir as suas necessidades de comprar serviços e bens e, por extensão, reduzir também a necessidade de vender o seu tempo. Talvez por isso, elas são serenas, sorridentes e leves”.

Desejo encontrar cada vez mais pessoas que compartilhem dessas ideias. Reunir um grupo, em algum lugar que a gente não ouça tantas buzinas e motores; que tenha mais árvores que cimento, mais terra que asfalto. Mas sem que isso também se torne mais uma outra forma de ganhar dinheiro. Pois estou é com muita fome e sede; e é de vida mesmo! Mas sobre esse assunto, eu converso com vocês outro dia...


* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Essas bandidas das ideias!


Chegamos eu e Carla na casa de Elza Lobo, exatamente no horário combinado. Era um sábado de outono, 10 horas da manhã, com um céu azul surpreendente, ainda mais para São Paulo. A recepção foi com um cafezinho, servido numa antiga mesa de madeira, no quintal com jardim de inverno da casa que vive desde os 7 anos de idade. Lá ficamos, cercadas de plantas, pássaros e muitas lembranças dos países que percorreu durante o exílio.

Foto: Sally Satler

Elza é uma daquelas mulheres guerreiras, sobreviventes do regime militar, presa política entre os anos de 1969-1971, mas que continua lutando e resistindo, agora para a história não se apagar. Entre tantas memórias, ela nos contou algumas de suas ações no DEOPS - Departamento de Ordem Política e Social e também no presídio Tiradentes, mais precisamente na ‘Torre das Donzelas’, onde as mulheres presas políticas ficavam. 


Como a maioria não tinha dinheiro pra pagar advogados, nem pra ajudar os familiares que estavam lá fora, elas se organizaram. Nos dias de visita, entregavam listas de materiais aos parentes para que elas pudessem ter os apetrechos pra fazer coletes, blusas e cachecóis. No início foi bem difícil, pois os militares suspeitaram que os números contidos nas linhas, que só identificavam as cores, poderiam ser códigos para levar informações a quem estava fora, militando contra o regime.

Mas as costuras foram rendendo frutos, formando uma rede de solidariedade também fora do presídio. Uma mulher, sensibilizada pela causa, alugou uma sala da Rua Augusta, a mais famosa de São Paulo na época, para que pudesse vender as roupas vindas do presídio. Uma das presas chegou a fazer um véu de crochê para deixar na loja, que foi comprado por uma noiva que casou na igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. Elza nos confidencia que até hoje a noiva não sabe que o véu foi feito na Torre das Donzelas.

Também conseguiram, após muita insistência, convencer a direção do presídio em deixá-las cozinhar a própria comida, eis que a oferecida era impossível de comer (era muito ruim e servida em um latão, daqueles que assamos carne, que era uma maneira a mais de humilhar os presos políticos). Revezavam-se diariamente para cozinhar numa espiriteira os alimentos trazidos pelos familiares, tudo adquirido com o dinheiro das roupas vendidas.

Elza também lembrou de uma médica presidiária que estava grávida, sofrendo a tortura do medo de ter seu filho na prisão. Para acolhê-la e acalmá-la, organizou uma lista do que seria preciso para realizar o parto e também roupas, fraldas e mantos para o bebê. Essa lista iria para os familiares, que aos poucos trariam o necessário nos dias de visita. A médica conseguiu sair um mês antes do parto, mas nunca se esqueceu do gesto que lhe trouxe alento, sempre lembrado por ela quando as duas se reencontram ao acaso.

A nossa conversa durou até às 17 horas. E no dia seguinte, ela fez questão de convidar e nos levar pessoalmente ao extinto DEOPS, que agora abriga o Memorial da Resistência, feito com sua participação. No local foram reconstituídas duas celas, e nas paredes estão gravadas frases, poemas e nomes de alguns dos presos. Ali é possível ouvir depoimentos de ex-presos políticos, inclusive de Elza, muitos deles carregados de sentimentos de solidariedade e delicadeza, apesar de remeterem a situações de horror. O silêncio e uma certa tensão do local são amenizados pelo som da música na sala ao lado “O Bêbado e a Equilibrista”, na voz Elis Regina, considerada o hino da anistia.

Crédito da imagem: http://40em40.blogspot.com.br

Bem no centro de uma das celas, em cima de um caixote, olhamos para um cravo vermelho, que repousa numa garrafa de vidro. Elza nos conta que num dos natais que passou na prisão, pediu à sua mãe que lhe trouxesse alguns ramalhetes de flores. Encerrado o horário de visitas e antes que voltasse à cela, ela passou por todas as celas pra entregar cravos vermelhos aos presos políticos - mulheres e homens detidos ali no DEOPS. Também lembra que quando um deles era libertado, os demais cantavam em alta voz a música ‘Suíte do Pescador’, de Dorival Caymmi.



Essas ações de resistência surpreendiam até mesmo os guardas do presídio: “Ah, essas bandidas das ideias!”. Sim, lá dentro, mesmo depois de tantas torturas e vidas ceifadas, elas continuaram lutando e resistindo, acreditando que era possível ser humano em meio a tanto terror. Sim, isso só nos mostra como faltam ‘bandidos’ e ‘bandidas’ das ideias nos dias de hoje, pra tantas dores, injustiças, preconceitos e atrocidades que aí estão. E Elza é o exemplo vivo de que é possível e importante lutar e resistir. Sempre!

Elza Lobo, saindo do extinto Dops.
Foto: Sally Satler
  Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
 Se Deus quiser quando eu voltar do mar
 Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
 E a Deus do céu vamos agradecer
Adeus, adeus
 Pescador não se esqueça de mim
 Vou rezar pra ter bom tempo, meu bem
 Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
 Perfumada com alecrim
(Suíte do Pescador, de Dorival Caymmi)



* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.