terça-feira, 7 de julho de 2015

Quando o Corpo liberta a Alma


"O propósito do teatro é fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra, o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música seja também ouvido.” (Clarice Lispector)

Peça Navalha na Carne - Víscera Companhia de Teatro

Gritos, sussurros e o som de pessoas se chocando e passos apressados. Parecia que uma luta se precipitava em algum lugar próximo. Curiosa, entrei naquele corredor estreito e comprido. Com seu teto rebaixado, vozes e movimentos intensificavam-se a cada passo que eu dava. De repente, um grito! Aproximei-me da sala, mas a porta estava fechada. Hesitei, mas a curiosidade foi mais forte e vagarosamente abri a porta. Um grupo de pessoas, suadas, com pés descalços e em frenética agitação. Concentrados, entre expressões de alegria e dor, entregavam-se aos jogos teatrais, buscando dentro de si as emoções e expressões necessárias. O que vi não eram somente corpos, mas também almas em múltiplos movimentos. Seus olhares, suas expressões, prenderam-me. Ao fim do exercício, todos exibiam uma expressão entre a calma e a alegria, e trocavam olhares entre si, daqueles de quem compartilha um segredo.

O teatro foi uma das primeiras atividades culturais da então Colônia Blumenau. Organizado por Roese Gartner, o grupo teatral Frohsinn foi alento e diversão para os colonos-espectadores que deixaram a urbanizada Alemanha e se embrenharam nas matas do Vale do Itajaí. O espectador, naquela uma hora ou mais que está atento e vivendo a peça de teatro, encontra um tempo para dedicar-se a si mesmo, aos seus mais íntimos pensamentos, suas dúvidas sobre a vida, sonhos e angústias. Tempo que atualmente só encontramos no teatro, na leitura e em alguns shows musicais, sendo impossível fazer isso em frente à TV ou mesmo no Cinema; da mesma forma a maioria dos shows musicais que mais nos conduzem para um torpor do pensamento, um esquecimento de si. Pensar a vida é necessário e a Arte pode nos proporcionar esse encontro com a vida e com aquilo que fizemos de nós mesmos.

Se os espectadores encontram dentro de si essa chama de humanidade, imagino quais sejam as labaredas interiores escondidas atrás dos sorrisos cúmplices dos atores. Pude compreender que a Arte pode ser o caminho que tanto procuramos, não apenas como espectadores, mas atuantes, como artistas que se embrenham em seu interior e na história da humanidade em busca daquilo que nos faz humanos. Foi no sorriso cúmplice daqueles aprendizes de atores que comecei a procurar o meu caminho, a minha Arte. Encontrei a literatura e ao final de cada capítulo concluído, após viver as peripécias imaginárias junto com o investigador Otto Schurkemann, também exibo um sorriso cúmplice de quem descobriu um prazeroso segredo.

Em Blumenau temos ótimos grupos teatrais com apresentações constantes, como na Temporada Blumenauense de Teatro, no Festival de Teatro, o curso de teatro na FURB e as turmas da Escola Carona de Teatro, espaços-sonhos para espectadores e aqueles que desejam e precisam romper sua rotina anestesiante, locais em que é possível encontrar em uma hora por semana sorrisos cúmplices, caminhos e novos sonhos.

Artigo publicado na Revista Tie Break, edição 113.
http://www.mundieditora.com.br/h/i/104493760-tiebreak-113