Por Carla Fernanda da Silva/ Sally Satler
Masculin/Masculin[1] nos traz
em seus folhetos e releases a promessa de ser a segunda exposição de nudez masculina
em Museus, diferentemente da nudez feminina, sempre presente. Porém, se
pensarmos nos nus masculinos greco-romanos e da renascença, presentes nas ruas
e museus italianos e, também em outros museus como o Louvre, questionamos esta
afirmação. O diferencial da exposição seria a reunião de diversas obras sobre o
nu masculino, com obras do próprio Musée
d’Orsay e emprestadas de outros museus e acervos particulares.
Para além das
belas obras de nu fomos surpreendidas também pela recorrente relação da nudez com
a violência, mostrando a representação do erótico masculino intimamente
relacionado à guerra. Nesta exposição, além de serem explorados muitos aspectos
e significados do nu masculino, alguns dos artistas presentes recontextualizaram
o nu heróico a partir de suas épocas e realidades. O objetivo foi claramente
estabelecer um diálogo entre as diferentes fases da história a partir do olhar
contemporâneo.
Numa referência à obra ‘A Origem do Mundo’, de Gustave
Courbet (1866), a artista Courtesy Orlan retratou ‘ A Origem da Guerra’ (1989),
destacando um falo ereto, presente no final da exposição, junto às representações da homossexualidade
masculina, deslocada, em nossa leitura, por seu significado crítico e reflexivo
em relação à história mundial, e não exatamente à erótica homossexual. Esta fotografia
nos possibilitou algumas reflexões sobre a exposição e a história do nu
masculino, que desde a Grécia
antiga, principalmente na estatuária, tem a representação do homem em batalha;
ou seja, a construção da virilidade pela violência.
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L'Origine de la guerre by ORLAN at FIAC 2012, Paris |
Esta obra nos remeteu também uma incômoda continuidade
discursiva em que contextos e guerras mudam, mas a
representação do homem em batalha permanece: soldados-meninos, reféns
do discurso de poder dos ‘senhores da guerra’ que prometem glória eterna a
ingênuos Aquiles contemporâneos. A crítica a tal
discurso se mostrou mordaz na fotografia do artista
David LaChapelle, onde, no paraíso prometido, um belo e jovem muçulmano é amarrado como Gulliver por 72 virgens, representadas por barbies
em burcas coloridas; não mulheres, mas bonecas seriadas e vazias, como as
promessas dos líderes religiosos e políticos que levaram e ainda levam muitos
muçulmanos à guerra e, muitas vezes, ao suicídio como homens-bombas. A nudez e a sensualidade do jovem árabe são
provocativas, tanto por ser a antítese dos corpos cobertos e os tabus em
relação à sexualidade do mundo muçulmano, quanto pela certeza de que apenas uma
morte violenta fará que este homem alcance o seu paraíso prometido.
Após sair do Musée d’Orsay, atravessamos o Jardin des Tuileries com suas árvores
desfolhadas à espera da neve, oferecendo-nos uma paisagem lúgubre como a nossa incômoda
reflexão sobre a exposição Masculin/Masculin
e a associação perene entre o erótico masculino e a violência. Courtesy
Orlan é precisa na reflexão que expõe em sua foto, mesmo assim as pessoas
continuam a chocar-se diante do falo ereto e de sua promessa de prazer, ao invés
de pensar sobre a provocação filosófica contida no título ‘A Origem da Guerra’,
na manipulação do desejo de jovens homens para que velhos homens satisfaçam seu
desejo de poder e riqueza.
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"La douche. Apres la bataille". Russian artist Alexendre Alexandrovitch Deineka |
Ao finalizarmos este texto, questionamo-nos como seria
uma exposição do nu masculino em que o apelo à guerra e ao herói em batalha fossem
excluídos, em que a virilidade não estivesse relacionada à violência – que tantos
problemas causam –, mas sim um erótico com
outras referências, em que o desejo e o corpo masculino fossem representados no
simples cotidiano mundano da busca do homem por si mesmo, como nas obras de Paul
Cézanne, Schiller, Cadmus, entre outros.