segunda-feira, 28 de abril de 2025

Praia da Península

 

Chegamos naquela velha ponte pênsil de Barra Velha bem no início da tarde. Não tem como não rememorar a infância... pescar siri com pulçá e jogar vôlei eram dos meus passatempos prediletos nos verões que passei ali. A casa da vó Ester não existe mais...
E a velha ponte também está interditada para pedestres. Restou olhar para o outro lado e ver a imensidão do mar da praia da Península. Pegamos as cadeiras e a cuia de chimarrão... com mate e ervas de capim-limão e hortelã.



E que surpresa linda! Pescadores enfileirados de frente para aquela misteriosa neblina do mar. Ouvir o silêncio, as aves cantando e as ondas quebrando... como eu amo o outono no mar! Um raro momento de poesia visual ❤️


Praia da Península, Barra Velha, em 08/06/2024.




Caruaru e os artistas de Alto de Moura


Caruaru é uma cidade do agreste pernambucano, famosa pelas suas feiras e festa de São João.
Nas feiras (artesanato, comidas, roupas, couro, etc.), compramos muitas frutas e algumas comidinhas regionais, além da massa de tapioca recém pronta de uma das diversas barraquinhas da feira de tapioca. A mandioca foi ralada no mesmo dia, ali nas barracas, e depois cozida. Ao virar goma, as mulheres já peneiravam em cima da mesa. Também compramos uma sandaliazinha de couro toda colorida para a menina Gaya, que fará 1 aninho no fim deste mês. 🥰



Partimos p/ o Museu Luiz Gonzaga, mas estava fechado. Seguimos p/ o bairro Alto de Moura, grande centro de artes e peças feitas em barro, inspiradas nas crenças populares, em cenas do universo rural e urbano, no cotidiano, nos rituais e no imaginário do povo do sertão nordestino. 



Conhecemos a casa do Mestre Vitalino, artesão, ceramista popular e músico, considerado um dos maiores artistas da História da arte do barro no Brasil. Nasceu em 1909, filho de um lavrador e de uma louceira, que fazia panelas de barro para vender na feira. Começou a fazer escultura de cerâmica ainda criança c/ as sobras do barro usado por sua mãe. Tornou-se conhecido no mundo e sua arte influenciou na formação de novas gerações de artistas, principalmente no Alto do Moura, c/ diversos ateliês no entorno de sua casa.



Logo em frente tem o ateliê do falecido mestre Galdino, outro importante ceramista/artesão, cantador de viola e poeta de cordel. Foi o maior ateliê que conhecemos e ali comprei uma escultura, que também vai servir de abrigo para uma das minhas suculentas.




Depois seguimos p/ conhecer alguns artesãos que estavam naquele momento moldando e pintando nos seus ateliês. Primeiro de um grupo de cooperados, depois outros ateliês menores, e por último o da artesã Ítala e suas parceiras e parceiros, inclusive um gatinho que fazia companhia, aconchegado no espaço de modelagem.







Além das peças dos ateliês serem lindas, o que surpreendeu muito foram os preços, praticamente simbólicos.
Saímos dali encantadas c/ Alto de Moura e as peças que levamos.
Vida longa aos artistas de Caruaru!

Caruaru, 16 a 18/01/2024.

Ela e o mar

 

Caminhando devagar...
Observo. Ela sem rumo no olhar.
Nenhuma palavra.
Apenas (com)paixão.
Chegando, deixamos nossas coisas no salva-vidas.
Passos mais lentos, rumo ao mar, para o final das ondas.
Ela olha para trás, buscando-me.
Com meu olhar, ela entende que precisa seguir.
Alcançando-a, eu a tomo num abraço... e, com alguma sutileza, eu canto o ponto que aprendi.
'Descarrega, descarrega Ogum,
ó leva pras ondas do mar...'
O mar lava e também pode ensinar.
A remar, a nadar e a nos salvar.


Praia de Gravatá, Navegantes, em 24/02/2024.




As marisqueiras de Porto de Pedras


Passava das 9 horas quando partimos para a balsa com destino a Porto de Pedras... maré estava baixa, é quando as marisqueiras aparecem para coleta de mariscos no Rio Manguaba... que no sul chamamos de berbigões.
Logo que chegamos conhecemos Dona Fátima, 67 anos, marisqueira desde criança, sempre trabalhando de sol a sol. Um pouco tímida, pedi licença para sentarmos ao seu lado no rio, ajudando na coleta. Logo foi explicando como catar, escolher, depois lavar e limpar. Estava com 2 baldes, 1 deles já bem cheio, disse que 1 balde e meio rende 1 kg sem conchas e vende limpo a 40 reais. Fica 4 horas coletando, até a maré voltar a ficar alta. Foi assim que criou 7 filhos, 5 são professoras formadas, disse ela com uma ponta de orgulho.
Confidenciou que mais pra frente poderíamos encontrar um pouco maiores, que não consegue ir até lá porque é pesado carregar 2 baldes cheios na volta...
Agradecemos e seguimos até um pouco antes da praia de Porto de Pedras. No caminho parei pra conversar com a Dona Sebastiana, que logo foi me ensinando como fazer a iguaria no leite de coco natural. Menina, põe cebola, coentro, pimenta de cheiro, pimentão, legumes, tomates. Raspa aquela carne do coco, bate no liquidificador. Anotado mentalmente, seguimos. Mas não sem dizer a ela e sua amiga que achei ótimo elas usarem grades de ventilador para lavar e escolher os maiores berbigões.
Quase 1 hora de coleta, caiu a maior chuva. Acode mochila, celular, bolsa térmica. Catei 1 cascão de coqueiro, cobri com uma canga e seguimos insistindo, porque turista que é turista tem que ir até o fim... rsrs. E digo que valeu muito, porque, de fato, o ponto indicado pela Dona Fátima rendeu os maiores berbigões que pegamos! Eu já estava ansiosa pra chegar em casa e preparar a receita da Dona Sebastiana.
Branquela que sou, mesmo sem muito sol e com muito protetor solar, fiquei vermelha nas pernas, mas muito feliz por dividir o dia com essas mulheres que fazem acontecer.

Porto de Pedras/AL, 11/01/2024.




Não era pra ser hoje

Quase 21h. Vou ou não?

Segui. Asfalto, seguido de estrada de chão sinuosa e esburacada.

Chegando, a rua cheia de carros, estacionamento lotado. Manobro pra voltar e procurar lugar na rua.

Guiando lentamente, sinto encostar no primeiro carro da fila. Puuuutz!

Olho pelo retrovisor e alguém desce.

Parei no meio da rua. Naquela penumbra escura, com chuva e névoa, também desci.

- Acho que encostei no seu carro, perdão!

Olhar atento, fixado nos meus olhos.

Observo, encosto no seu pára-lama (que mal dava pra enxergar) e ele logo diz:

- Acho que foi pouca coisa, pode seguir.

Olhos dele fitados e tranquilos.

Agradeci e pedi desculpas de novo, desviando o olhar.

A intuição com aviso estavam ali... para eu não ficar.

Não era pra ser hoje.

Sabe-se lá o quê, mas não era.

 

Encano Alto, Indaial, em 07/12/2024.




D. Maria de Quipapá

Conheci dona Maria aqui perto de casa tem mais de 1 ano... logo virou minha costureira para pequenos consertos, regados a uns bons papos, ali no início da João Pessoa. Mulher um pouco sisuda, mas nada que 2 dedos de prosa já não solte um sorriso largo. 

Semana passada, levei uma jaqueta de couro que já estava mais pra cemitério do que pra uso. Ela foi dando jeito com a sua Singer de ferro, enquanto conversávamos sobre a vida. Usou a linha azul, ficou embolado, não gostou. Descosturou e refez a gola. 

Dona Maria teve 10 filhos. A vida era bem mais difícil, conta ela. 

Um dos partos foi dentro de um canavial e outro numa caieira de fazer carvão, este último sozinha. Locais que trabalhou duro, lá em Quipapá mesmo, entre Garanhuns e Caruaru, no agreste pernambucano. Eu comentei que passei por estas cidades quando viajei pelo Sertão no ano passado, aí ela abriu a vida. 

Era de dia na agricultura e à noite com as criaturas, minha filha. Minha única menina morreu logo após o parto. Dois meninos também já se foram. Os outros rapazes estão espalhados. São Paulo, Praia Grande, Blumenau. Só um deles ficou em Quipapá. 

Com 67 anos, já tem 17 netos e 1 bisneta. 

Chegou em Blumenau em 2019 pra tentar o serviço de costureira, profissão que já seguia lá em Pernambuco. Foi embora na pandemia e voltou em 2021, quando um dos filhos arrumou emprego num restaurante daqui. Menina de Deus, lá não tem serviço, não. Agora num volto mais, disse ela. 

Ao terminar a jaqueta (e a nossa prosa), copiei o pix que estava escrito à caneta num papel colado na parede. Agradeci e pedi uma foto nossa, disse que ia contar um pouquinho dela e divulgar seu trabalho. Gostou da ideia e logo posamos juntas. Nos despedimos com ela dizendo que eu devia vir mais vezes: 

- Vá com Deus, minha filha! 

Ah, eu vou sim, D. Maria! 

Post Scriptum: A sala da d. Maria - com a máquina de costura e um pequeno brechó - fica ali na rua João Pessoa, em frente à Uniodonto. Precisando, é só chegar ☺️

Blumenau, em 17 de abril de 2025.