terça-feira, 22 de abril de 2014

A arte que nos desarma


Tenho mil anos.
Foi o que disse o menino.
O soldado riu-se: aterrorizado, o menino variava.
Ou desconhecia o alfabeto numérico.

Tenho mil anos, repetiu ele ante a ameaça da arma.
Se me matar, prosseguiu ele,
Vai-se abrir um buraco maior que o chão.

O soldado fitou os pés e viu o abismo.
Só então deu conta
Que ele mesmo era o menino que matava.

(Guerra, de Mia Couto)

O British Museum, em Londres, nos impressionou muito pela vasta coleção de objetos e obras de arte oriunda de todos os continentes, representando os diversos períodos da história e pré-história. Mas de todas, duas obras contemporâneas nos causaram forte impacto: uma árvore e uma cadeira, ambas feitas de armas usadas numa das guerras internas mais sangrentas já ocorridas no mundo: a guerra civil de Moçambique (1976-1992), fomentada por países estrangeiros.

Após a corrida colonial do século XIX para a África, veio a corrida ideológica do século XX (capitalismo ocidental x comunismo do leste europeu). A consequência foi um enorme afluxo de armas para o continente - e assim a guerra entre grupos internos estava provocadamente travada, causando mais de 1 milhão de mortes, 4 milhões de refugiados e 300 mil órfãos de guerra.


‘Trono de Armas’, no Museu Britânico. Do artista
moçambicano Cristóvão Canhavato (Kester), 2001.  
Foto: Carla Fernanda da Silva.

Quantas vidas as armas que compõem essa escultura tiraram? Este trono de armas representa a nossa indiferença diante do assassinato de milhões de pessoas, indiferença que vemos sendo alimentada mais e mais na nossa barbárie contemporânea, exposta no sorriso de aprovação na epidemia de linchamentos, no silenciar diante da violência policial, no desejo da morte do desconhecido, do outro, eleito para ser um inimigo social: o negro, o índio, o judeu, o muçulmano, o cigano... a nossa indiferença e barbárie está sentada sobre um trono de armas.

Em Moçambique, ao final da guerra, as armas continuaram presentes, e aí estava a principal dificuldade em mudar toda uma ‘geração militarizada’ para tomar seu lugar numa sociedade civil pacífica. Transformar morte em vida é o que a natureza nos ensina, a semente morre para originar a planta, o corpo em decomposição é o húmus que alimentará a planta, que alimentará animais e homens. Não foi em congressos da ONU ou nas suntuosas salas dos ‘donos do mundo e das armas’ que o povo de Moçambique aprendeu a transformar morte em vida; foi a sabedoria ancestral que os ensinou a ouvir e aprender com o mundo. E assim foi criado o projeto TAE – Transformação de Armas em Enxadas (ferramentas), em 1995. Armas, antes utilizadas pelos combatentes de ambos os lados, foram voluntariamente trocadas por ferramentas como enxadas, bicicletas, máquinas de costura, etc. E as obras ‘Trono de Armas’ e ‘Árvore da Vida’ foram feitas com armas desta guerra.


‘Árvore da Vida’, no Museu Britânico. Dos artistas Adelino Serafim Maté,
Fiel dos Santos,  Hilario Nhatugueja e Cristóvão Canhavato (Kester), 2005.
Foto: Sally Satler.

Detalhe das armas na obra ‘Árvore da Vida’.
Foto: Carla Fernanda da Silva

Observar estas obras nos remete a questões para além da originalidade, nos trazendo um desconforto, de fazer pensar porque nós humanos, somos tão desumanos. Sobretudo, essas obras nos falam de esperança, de triunfo da vida sobre uma guerra com tantas mortes. Deveriam servir de exemplo para este Brasil de tantas violências cotidianas. Não é apenas o outro que estamos matando, e sim a nós mesmos, todos os dias. Desarmar mentes, para desarmar as mãos, é o que precisamos. Mas não, não temos mais tempo e vontade pra parar, pensar e aprender. Em que momento deixamos isso acontecer?


Fontes:
http://www.bbc.co.uk/ahistoryoftheworld/about/transcripts/episode98/
http://www.museum.wa.gov.au/extraordinary-stories/highlights/throne-weapons
http://eportuguese.blogspot.fr/2013/11/transformando-armas-em-arte.html


Publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.

domingo, 16 de março de 2014

Blumenau e os 70 manifestantes: quem são os vândalos?


Pouco importa se foram quatro ou cinco a quebrar uma janela de ônibus e pichar outros três. Não importa se a maioria dos 70 manifestantes estava lá exigindo transporte coletivo de qualidade, para os milhares de blumenauenses que não estavam. Ou se lutavam contra as latas velhas que andam pela cidade, com prazo de validade vencido, sem ar condicionado, fazendo o povo passar um calor dos infernos, socado dentro dos coletivos. As notícias e os comentários, até mesmo dos que usam ônibus e só sabem reclamar do transporte e da passagem pela internet, são na maioria contrários a todos os 70 que estavam ali. Afinal, que tem demais os ônibus serem ruins e a passagem ter aumento maior que a inflação?

Manifestantes sentados no Terminal Fonte
Foto: Rick Latorre, via Blumenews

Foto: Rick Latorre, via Blumenews

Relatos de testemunhas, inclusive jornalistas, dão conta que um motorista tentou passar com o ônibus em cima dos manifestantes que estavam sentados na pista do Terminal Fonte, machucando alguns deles. Em retaliação, quatro ou cinco quebraram o vidro de um ônibus que não deveria mais estar circulando e costumeiramente ‘quebra’ no meio dos trajetos, além de pichar alguns outros. A partir disso, houve violência policial e pancadaria contra diversos manifestantes, mas os PM´s não contiveram ou prenderam quem pichou ou quebrou vidro de ônibus. Prenderam aleatoriamente, inclusive quem não estava envolvido no episódio. Muitos foram contra-argumentar e a polícia, treinada pra ser truculenta, atirou com balas de borracha a esmo, jogou spray de pimenta e lançou seus cães contra os manifestantes; inclusive numa menina, estudante secundarista da metade do tamanho dos policiais. Foram atingidos não só os manifestantes que não tinham nada a ver com depredação, mas também os que estavam no terminal à espera de seu ônibus, inclusive idosos e crianças.

Estudante secundarista mordida por um cão da PM
Foto: Reprodução Facebook


Durante a ação, cobradores e motoristas, numa total demonstração de alienação política e social, bateram palmas pela atitude covarde dos policiais. Alguns jornalistas foram ameaçados. Um cinegrafista também, porque estava filmando a ação e teve que sair rápido do terminal. Fotógrafo foi agredido. Três manifestantes foram presos e encaminhados à delegacia. Alguns foram para lá e ficaram do lado de fora em solidariedade aos colegas. Dali ouvia-se gritos e pancadas que estavam sendo dadas nos detidos, inclusive num menor. Por isso, correram para a lateral da delegacia, reagindo verbalmente à ação. Foram chamados mais PM´s com cacetetes e cães para agredir a todos que estavam ali e levaram mais dois manifestantes para dentro da delegacia. Um deles teve o braço esquerdo quebrado por cacetetes da PM (com necessidade de cirurgia), levou mais cinco pontos no braço direito e ficou com vários hematomas nas costas provocado também pelos cacetetes após já estar imobilizado.

Enquanto isso, sete foram para o hospital, sendo dois com fraturas e um por ataque de um dos cães. Enquanto isso, no dia seguinte, a imprensa ‘oficial’ escrita e televisiva relata que ‘houve confronto com a polícia’ e que ‘pelo menos três ônibus que estavam no local foram danificados, mas a Polícia Militar (PM) não registrou nenhum ferido’. Ah, esses vândalos da imprensa. Ah, esses vândalos de farda! Vamos acreditar nesta versão. Não importa. Não foi com a gente mesmo, não é?

Por enquanto.


Publicado no Portal Controversas, de Blumenau e Portal Desacato, de Florianópolis.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Um desejo de cidade no Fórum Mundial da Bicicleta


Por Sally Satler, membro do conselho
deliberativo  da ABC Pró Ciclovias.
e-mail: sally.satler@gmail.com

‘Um desejo de cidade’ é o sentimento compartilhado por todos os ciclistas, não somos apenas um grupo a reivindicar ciclovias e respeito dos motoristas, somos pessoas lutando por uma cidade como espaço de experiências. Desde a invenção do automóvel e do fordismo, artistas e filósofos[1] denunciam que o almejado progresso da modernidade tem nos usurpado o prazer de experimentar o mundo. Condenados a viver entre gestos repetitivos, entre paredes de uma fábrica ou escritório, dentro de insípidos shoppings ou ao lento ir e vir entre o frio metal e o vidro de um carro, não conseguimos mais perceber que existe um mundo a ser vivido em plenitude. Desejamos experimentar a cidade, experimentar o campo, sentir o sol e a chuva, o calor e o frio sobre uma bike que, como veículo, para além de sustentável e de mobilidade inteligente, proporciona-nos liberdade.

E é por esta razão que foi concebido o Fórum Mundial da Bicicleta. A primeira edição, em 2012, foi pensada e realizada um ano após o atropelamento proposital de um coletivo de ciclistas durante uma bicicletada/massa crítica[2] em Porto Alegre. Entre os dias 13 e 16 de fevereiro de 2014 foi Curitiba quem ganhou na diversidade de ciclistas e no colorido das bicicletas ao sediar a terceira edição, que até então só tinha acontecido na capital gaúcha. Não tivemos nenhum representante da nossa Prefeitura, em que pese ter sido convidada em dois momentos pela ABC Pró Ciclovias, mas muitos ciclistas de Blumenau estiveram no III FMB, misturando-se entre as tribos de várias cidades do país e do mundo.

Foto: Magali Moser

O evento realmente surpreendeu: a programação era totalmente gratuita, eis que foi financiado colaborativamente, via Catarse[3]. O conceito desta edição, “A cidade em equilíbrio”, teve o propósito de repensar e discutir o planejamento das cidades, trazendo idéias voltadas diretamente ao ser humano e espaços de convivência, entre exposições, palestras, oficinas, pedaladas e lançamento de livros. De Blumenau, foi apresentada a proposta de documentário ‘Vida em Trânsito’, de autoria de Diego Dambrowski, que expõe o paradoxo da ‘carrocultura’ num país ‘engarrafado’, propondo a retomada da bicicleta na mobilidade urbana. Também elegemos o catarinense André Geraldo Soares para a presidência da União dos Ciclistas do Brasil (UCB), entidade máxima do cicloativismo no país.
  
A tônica da maioria das atividades do Fórum foi a troca de experiências entre cidades do Brasil e de outros países. Na palestra organizada pelo movimento ‘Voto Livre’, de Curitiba, foi exposta a plataforma digital para apresentar projeto de lei eletrônico de iniciativa popular de mobilidade urbana sustentável, que ficará disponível e livre para outras cidades. Na feira do evento, estavam disponibilizados gratuitamente materiais sobre cicloativismo e ideias de projetos para implantação de ciclovias e também de bicicletas compartilhadas. Na Bicicletaria Cultural[4] foi realizada a oficina ‘Cartografia Poética das Trajetórias’, em que os participantes foram instigados a desenhar o seu principal trajeto no trânsito, para depois apresentar micro-narrativas das sensações, chamando a atenção para a importância de tornar o trajeto um espaço de experiências e vivências, algo extirpado na vida moderna. Muitas outras atividades (painel de economia criativa, painel de saúde, filmes sobre bicicleta) aconteciam simultaneamente e a opção por uma delas era intuitiva.

Mas todo o evento estava alinhado a um discurso: a busca de uma cidade para as pessoas. E pra isso, a bicicleta não pode ser vista somente como meio de transporte ou de lazer. Ela é instrumento de transformação da mobilidade urbana, verdadeiramente sustentável. É disso que precisamos nos convencer!


Oficina “Cartografia Poética das Trajetórias”
Foto: Carlos Roberto Pereira




[1] Como Chaplin, em ‘Tempos Modernos’, e Fritz Lang, em ‘Metrópolis’.
[2] Massa crítica ou Bicicletada (termo usado no Brasil) é um evento que ocorre em mais de 300 cidades ao redor do mundo, geralmente na última sexta-feira do mês, inclusive em Blumenau. Ela acontece quando dezenas, centenas ou milhares de ciclistas se reúnem para reivindicar seu espaço nas ruas, lutar por um trânsito mais humano e por um mundo mais respirável.
[3] Site que viabiliza o financiamento coletivo de projetos, também conhecido como crowdfunding. Consiste na busca de capital para iniciativas de interesse coletivo, normalmente financiado por pessoas físicas. Saiba mais: www.catarse.me.
[4] Espaço permanente de apoio e serviços aos ciclistas, como: estacionamento e aluguel de bikes, oficina mecânica colaborativa e até sesta em redes após o almoço. Saiba mais: http://bicicletariacultural.wordpress.com/

Artigo publicado no Jornal Expressão Universitária, do SINSEPES/FURB.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Ruas Sustentáveis e Inteligentes


Por Sheila Hempkemeyer,
psicóloga

Tive o prazer e o privilégio de participar do III Fórum Mundial da Bicicleta, ocorrido entre os dias 13 e 17 deste mês em Curitiba. Dentre todas as discussões, aprendizados e ótimos encontros existenciais participei de um painel sobre Urbanismo, com palestrantes estrangeiros que expuseram a realidade em seu país, bem como das iniciativas mundiais sobre o tema. Lars Gemzoe (dinamarquês) palestrou sobre “Porque alguém iria pedalar na cidade?”. Foi consenso entre todos os especialistas que quanto mais ciclistas na rua maior a segurança para os mesmo, consequentemente, maior o incentivo a pedalar.

Gemzoe apresentou o projeto Rua Sustentável em Nova York, que como toda grande cidade tem seu trânsito caótico. Porém o governo local decidiu diminuir (isso mesmo DIMINUIR) o tamanho das duas principais ruas centrais da cidade (Broadway Boulevard e Madison Square) para os carros e, pintou duas pistas de cores diferentes: uma transformou em praça pública com mesas, bancos e vasos decorativos; outra em ciclovia. Ou seja, uma rua onde haviam quatro pistas para carros, restaram somente duas, sendo as outras compartilhadas com as pessoas. Tinta e orientação foram necessários para que as pessoas começassem a ter o hábito de sentar nas praças e tomar um café, ou somente conversar, coisa antes nunca vista em NY. Muitos começaram também a deixar de usar o carro e começaram a andar de bicicleta.

Um grande investimento? Creio que não. Pura e simplesmente vontade política de efetivar o que todos sabemos (ou deveríamos saber): que a cidade é feita para as pessoas e não para os carros. Com isso as pessoas começaram a pedalar na cidade, tornando possível num grande centro comercial mundial aliar transporte sustentável e qualidade de vida para seus habitantes.

E a nossa Blumenau não poderia fazer o mesmo? Ao invés de criar pistas para carros, porque não criar uma rua sustentável semelhante a de NY? Precisamos de ousadia e visão de futuro (não era esse o discurso político nas eleições?!) e é fato que a bicicleta vem cada vez mais querendo seu espaço. Pedalando (saliento meu otimismo) percebo o apoio de muitos motoristas, e também dos colegas elogiando a iniciativa, mesmo que a maioria de nós estejamos exprimidos nas ruas e ciclovias da cidade.

Nova York. Fonte: vaidebici.wordpress.com


Se é algo que veio para ficar e cresce a cada dia é preciso um olhar especial para isso. Governantes, estamos pedalando cada vez mais e queremos nosso espaço por direito. Se NY consegue, porque Blumenau não pode usar um pouco de tinta e ousadia para podermos pedalar na cidade que tanto nos é negada?


Nova York. Fonte: www.mobilize.org.br

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Extra! Extra! Os novos ônibus de Blumenau


Não é piada, não. Saiu no blog do Jaime e estão compartilhando nas redes sociais. Blumenau, um vale quente pra deus do céu e o inferno dos diabos, continua com mandatários que pouco ou nada se importam com o povo que anda de transporte coletivo: estão na iminência de aprovar os novos ônibus pra circular na cidade SEM ar condicionado! E um anônimo coloca indignado seu comentário: ‘tão de brincadeira, né? Quando é que vão botar na cabeça que estão transportando gente?’

Fonte: Blumenau Mil Grau - Facebook
E como rede social é rede, sempre cai mais peixe pra colorir a história: irmão de motorista conta no facebook que os ônibus, quando comprados, já vem com ar condicionado de fábrica, mas mandam tirar quando chegam à cidade.










Isso tudo só me fez lembrar do Brollo... aquele que foi flagrado em certas escutas telefônicas, em palavras impronunciáveis neste 'horário de livre acesso.'  Ou seja, aqui nada muda: nem a forma de governar, nem o povo, pacífico que só. Quem tem mais culpa?







domingo, 23 de fevereiro de 2014

Rua João Pessoa: mortes à vista!


Sally Satler, advogada e ciclista.

Não adianta. Ninguém, mas ninguém vai me convencer a aceitar de cabeça baixa a colocação da terceira pista para carros na Rua João Pessoa, em Blumenau. Se antes o trânsito estava em duas pistas largas, com motoristas trafegando a 30, 40 km/h (velocidade aceitável para o perímetro urbano), é certo que com três pistas e a velocidade aumentando, os atropelamentos, ou melhor, os assassinatos por atropelamento irão acontecer. Porque é impossível ficar tratando como ‘acidente’ as inúmeras mortes por imprudência, excesso de velocidade ou embriaguez ao volante.

Aos que acreditam na promessa de medidas traffic calm naquela via, como travessias elevadas para pedestres, eu pergunto: como podem ser tão ingênuos, se estamos esperando há 4 anos somente a recolocação da fiscalização eletrônica? Se estamos, tão servilmente, só contando nossos mortos na cidade? Queria eu que estivesse errada! Nem mal foi feita a nova pista  e aconteceram choques entre veículos. E já tem apressadinho buzinando e ultrapassando os que ousam andar numa velocidade inferior a 80 km/h, numa via como aquela! Esta nova pista só é aceitável se for para uso de ônibus e ciclistas, com campanhas para educação e respeito mútuos.

A promessa de que após o término das obras de prolongamento da rua Humberto de Campos a terceira pista da rua João Pessoa será desativada chega a ser tragicômica – ninguém, nem o governo sabe quando essa obra vai começar e terminar, pois são mais de 100 desapropriações que precisam ser feitas antes (e pasmem, só uma foi feita até agora).

O governo municipal não está só na contramão da mobilidade sustentável e segura: está nas mãos de alguns poucos ‘donos da cidade e das ruas’. Pesquisem pra saber por que até hoje a Rua Benjamin Constant não possui ciclovia, mesmo tendo projeto de execução há anos amarelando no papel.

Como ciclista, não me sinto mais segura em pedalar na rua João Pessoa. Como pedestre, também. Escrevo por não querer ser conivente com isso, nem com as mortes que virão. E por isso a nossa BICICLETADA[1] de fevereiro (dia 28) tem que acontecer, lá na rua João Pessoa!

Foto: Marcelo Martins

Se uma cidade caótica como Nova York pode, Blumenau também pode, não é utopia! Dêem uma olhada nesse vídeo de 3 minutos:





[1] Bicicletada (ou massa crítica) é um evento que ocorre em mais de 300 cidades ao redor do mundo, geralmente na última sexta-feira do mês - inclusive em Blumenau, com concentração na Praça da Prefeitura, às 18:30h. Ela acontece quando dezenas, centenas ou milhares de ciclistas se reúnem para reivindicar seu espaço nas ruas, lutar por um trânsito mais humano e por um mundo mais respirável. 

* Artigo publicado no Jornal de Santa Catarina e também nos Portais: Controversas, de Blumenau e Desacato, de Florianópolis.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Drones: O céu que nos ‘protege’


O frio de janeiro no inverno europeu não nos impediu de fazer uma das atividades que mais gostamos: caminhar aleatoriamente no sábado de manhã pela cidade, desta vez no centro de Munique. Muita gente estava circulando na Marienplatz, com turistas admirando a Rathaus, antigo prédio da Prefeitura de Munique, e os moradores da cidade entretidos com seus afazeres cotidianos, como as compras no comércio local e na lotada feirinha de frios e temperos ali perto. O imponente relógio apontava 11 horas, hora esperada por muitos: a ‘dança do Glockenspiel’ na torre de 85m, onde 32 bonequinhos encenam batalhas e danças contando a história de Munique.

Ao desviar o olhar para o céu, percebi que não havia somente nuvens e um tímido sol; drones estavam à espreita, a nos vigiar. Minha primeira indagação foi: ‘o que aqueles drones faziam ali?’ Éramos turistas, olhando bonecos de metal dançando ao som de sinos.  Pensei que pudesse ser uma filmagem do departamento de turismo, mas, atenta aos seus movimentos de sobe e desce, observei ‘seu’ interesse naqueles que levavam mochilas nas costas. Teria o drone infravermelho? Ou eram os traços fisionômicos de alguns que despertava o interesse? Quem sabe, um coração acelerado ou um corpo febril? Meses atrás, esse novo tipo de maquininha, controlada à distância por jovens militares estadunidenses, conseguiu identificar um grupo de afegãos numa festa de casamento. Presumindo se tratar de guerrilheiros da Al Qaeda, bastou um clique para lançar uma bomba e aniquilar dezenas, talvez centenas de vidas inocentes. Nessa guerra ‘preventiva’, poucos conseguem perceber que não há vencedores. Há sanguinários e covardes, estes sim terroristas, que sequer ‘perderam tempo’ em justificar um ato tão arbitrário e desumano. Tudo com a nossa complacência!


Drone ao lado da Rathaus -
Prefeitura de Munique/Alemanha

Olhando ao vivo os drones em Munique e não pela tela de uma TV, de tanto misturarem realidade e ficção, obnubilaram nossa crítica sobre os Senhores da Guerra e seus perversos brinquedos. Ao capturá-los pela lente da minha máquina fotográfica, constatei que conseguiram transformar, nós todos, em inimigos e ameaça. Não só de Munique, como naquele momento tão trivial. Mas de tudo e de todos; e também de nós mesmos.
   
E o que podemos fazer diante desse tipo de ‘sociedade malvada’, usando o termo empregado por Leonardo Boff, em que humanos não se tratam mais humanamente e a barbárie corre sem rumo em velocidade galopante? Eu não sei. Mas o primeiro passo é perceber que o nosso aval, apoio e passividade para esse tipo de vigilância e controle, não é o caminho. Não mesmo!


Drone sob o céu de Munique/Alemanha

Texto publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Blumenews, de Blumenau.