quinta-feira, 23 de maio de 2013

A música do silêncio



Foto: divulgação
A cidade cria artifícios para nos isolar: estamos mais próximos nos prédios e no trânsito, mas cada vez mais distantes de ouvir, olhar e sentir o outro em meio a tanto barulho. No verão de2011 a minha rotina estava tão extenuante que tudo que eu queria era ouvir o silêncio, e optei por passar um fim de semana num recanto da cidade, onde tem mato, grilos, folhas e o som de um riacho. Chegando lá, tomei banho de rio, almocei, e no fim da tarde me instalei num dos chalés. Passados 30 minutos, veio o choque de realidade: os vizinhos que estavam acampados abriram o porta-malas do carro e tocaram o terror, com uma música eletrônica a todo volume. Não pensei duas vezes: voltei pro meu apartamento no centro e fiquei ouvindo o som do ar condicionado.


Nesses momentos suspiro e penso sobre o que faz as pessoas preferirem tanto barulho. De onde vem essa necessidade da batida ritmada, que amortece a própria existência? Talvez por vivermos cercados de barulho que dão a impressão de necessidade de um frenesi, como se estivéssemos dentro de um filme de ação: além das explosões e buzinadas, muitos precisam também de uma trilha sonora eletrizante. Ou porque alguns ainda entendam que o mundo ‘intocado’ tem que ser conquistado e explorado, movidos por um arcaico desejo humano de destruir. Inclusive o som do silêncio! Condomínios, carros, lixo nas ruas e muito, mas muito barulho... Alguém ainda lembra como a praia Brava em Itajaí e algumas das praias de Floripa e Balneário Camboriú eram antes? Pois agora os recantos, com suas matas, rios e pedras, também estão sendo ‘ocupados’ e lentamente descaracterizados - como a Nova Rússia em Blumenau, agora visualizada pela Prefeitura como ‘pólo turístico’ e o Encano em Indaial, que de tempos em tempos é ameaçado pela extração mineral.

Kaylane Satler, na Lagoa da Conceição/Floripa.
Foto: Carla Fernanda da Silva
Pouco a pouco o mundo urbano avança sobre esses ‘recantos’, levando consigo todos os seus vícios... e assim o silêncio vai ficando mais distante, a ponto do mundo moderno tratá-lo como produto raro e comercializável. Só me dei conta disso depois de ouvir a Fernanda Young dizer numa entrevista que “No futuro, o silêncio será uma das coisas mais caras do mundo.” Aí percebi que já precisamos pagar pelo silêncio: as pousadas e hotéis em praias afastadas e áreas rurais já nos cobram um plus para desfrutar dele.

Estar em meio à natureza deveria nos permitir parar pra ouvir o seu som... e a música do silêncio. Viver esse silêncio, sem o som alto do carro, do trânsito, da TV ou do Ipod, possibilita sentir os nossos burburinhos internos, nos concentrar e fazer uma reflexão mais profunda sobre a vida. Também nos mostra a deliciosa opção de contemplar o mundo com outras sensações... e o mais importante: perceber verdadeiramente o outro.


‘antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento’
 (Arnaldo Antunes).


Para ouvir:






* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

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